OESP
Embora em círculos restritos, às vezes em voz alta, volta-se a falar que o País corre o risco de assistir a um processo de desnacionalização de sua economia. Até agora, a vocalização mais estridente vem do sistema bancário, onde se vê, semana após semana, um gigante transnacional adquirir uma instituição financeira brasileira e aqui colocar o pé, seja sonhando conquistar uma boa parcela do mercado interno, seja almejando lançar-se em breve para a conquista do Mercosul. No comércio, a grita é menor, embora a concorrência seja enorme – com a conseqüente concentração, que nós, leigos nesses assuntos, vemos todos os dias ao verificar que o número de “bandeiras” de supermercados está diminuindo. Na indústria, fala-se, mas não com a estridência dos bancos. De qualquer maneira, sejam as vozes altas ou baixas, percebe-se uma reação de grupos economicamente fortes contra os efeitos da globalização, que se sabe estar chegando.
Se, para os que protestam, as coisas têm o ar de algo novo, dessas que ninguém esperava acontecesse com tamanha rapidez, para mim têm o sabor de coisas antigas, do fim dos anos 50, quando as teses sobre a “burguesia nacional” ocupavam colunas de jornais e enchiam estantes de livrarias. Os mais jovens não se recordarão, mas eu ainda guardo a lembrança da grande campanha nacionalista que se moveu – mobilizada pelo PCB e industriada por interesses claros – contra a instalação da American Can no Brasil. Para quem não sabe, ela vinha fabricar latinhas de cerveja e ameaçava a indústria nacional de latas de folha de flandres.
Nem todos os que protestam pensam naquilo que há anos se chamava de “segurança nacional”. Alguns devem murmurar em círculos muito restritos essas duas palavras amaldiçoadas. Alguns militares da reserva, inspirando-se nas pregações de Albuquerque Lima e de Andrada Serpa, devem estar xerocopiando manifestos contra a desnacionalização da indústria e a transferência dos centros de decisão para o exterior. O mal de quem viveu o suficiente é que tem memória, ainda que curta, para certos fatos, como, por exemplo, uma greve que os trabalhadores da Ford norte-americana fizeram – lembro-me que a Faculdade ainda era na Maria Antônia – porque a empresa fabricava peças no Brasil, que eram exportadas para o Canadá, onde eram montadas para fazer um automóvel que era vendido nos Estados Unidos. Lembro-me, também, de que indústrias multinacionais foram fechadas em Cubatão sem que ninguém falasse em transferência dos centros de decisão. A grita de hoje, portanto, é apenas a tomada de consciência – com décadas de atraso – de que o Brasil, há anos, está no mercado multinacional, que depois virou transnacional e agora é global.
Não serei eu, de quem se disse, numa revista uruguaia, ser porta-voz dos defensores da segurança nacional, quem dirá que o perigo de transferir os centros de decisão não existe. Concordo com a tese – desde que se acrescente que ele existiu desde o momento em que um inglês estabeleceu uma feitoria numa colônia na América do Norte, ou uma fábrica depois nos Estados Unidos ou na Índia. O que importa ver, quando se analisam os protestos contra a globalização, é que eles não se fundam num projeto político amplo, capaz de mobilizar amplas massas.
Pensa-se “economês” e não política. Em outras palavras, se há 60 ou mais anos, havia quem pensasse em fazer do Brasil isto ou aquilo – fundando, primeiro, a Escola Livre de Sociologia e Política, depois a Universidade de São Paulo – hoje não há esse tipo de preocupação. Porque ele não existe, o protesto é politicamente sem futuro e economicamente sem fundamentos. Afinal, quem esteve por detrás da emenda constitucional que fez que as empresas estrangeiras tivessem tratamento igual ao das de capital nacional? Voltarei ao assunto.
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