Reproduzo abaixo as observações que ALLB-RE fez ao que lhe respondi e que está publicado nesta página. Acredito não ser necessário voltar a questionar as ponderações do amigo: expus minha posição, ele a dele, retruquei e ele voltou à carga, reafirmando suas idéias. Qualquer observação adicional que agora eu fizesse nos levaria a uma pendenga que em nada contribuiria para esclarecer os pontos tratados na palestra e discutidos pelos dois leitores e amigos. Acredito também que cabe a ALLB-RE elucidar que coisa vem a ser a Missão. Observo apenas que, nesta última rodada, ele diz, a certa altura, “Por certo, os meios são aqueles necessários à MISSÃO, conforme a defina o Estado (em consonância com a Vontade Nacional…)”.
Vamos, pois, às observações de ALLB-RE.
Sobre o funcionalismo civil e os militares:
ALLB-RE – Minha afirmação sobre as carreiras de Estado se refere ao que consta das observações do EC-RE e não sobre a Palestra. No texto da Palestra ficou claro para mim que o Palestrante se referia a tipos de grupos da sociedade e dos seus elementos constitutivos essenciais e não a segmentos sociais (até porque nela não há menção a funcionalismo). Assim, a outra observação que o Oliveiros crê necessária – a de que o funcionalismo não é uma unidade de vontade (abaixo citada) não contradita, salvo o interveniente “melhor juízo”, que as diferenças entre as carreiras de Estado civis e militares são não só evidentes, como necessárias pelas especificidades do estamento militar e do elemento constitutivo que eu reafirmo como básico – a sua missão – tanto no lado dos direitos como no de deveres, ainda que possam se admitir algumas semelhanças ou e mesmo identidades entre ambas, em alguns aspectos.
Sobre a segurança jurídica, assim se expressa o amigo:
ALLB-RE: Tratei da norma jurídica tal como a mencionou o texto da Palestra e a reproduzi por inteiro. “É a segurança jurídica que garante o exercício do poder e ela é dada pela obediência às Leis”. As palavras são do Palestrante, não minhas. Com as quais concordo. Não disse, em nenhum momento que a segurança jurídica, seja do Estado ou do cidadão, é o respeito à Lei. Em outros termos, a minha afirmação define o Estado de Direito e apenas repete a afirmação da Palestra. Quem exerce o poder só pode fazer o que a Lei determina enquanto a sociedade (seja ela civil, civil organizada ou qualquer outra adjetivação que se queira adotar, com ou sem conceitos de Gramsci que possam ter acepções diversas) pode fazer o que a Lei não proíbe. Isto pressupõe que quem exerce o poder não está limitado só pela legalidade, mas por valores éticos e morais que constituem a herança cultural dos governados. E a obediência estará, necessariamente, sujeita à identidade de valores entre governantes e governados ou à força e eficácia da Lei e de quem, no Estado, a cria ou a aplica. Ou seja, pelo que é legítimo! Logo, não percebo onde e em que o esclarecimento objetiva o meu comentário. O que eu gostaria de ver demonstrado, até para que eu reciclasse o meu conhecimento, é o essencial da minha convicção – que o elemento constitutivo essencial da componente de poder militar não é a MISSÃO e sim a HONRA.
A propósito da disfuncionalidade, ALLB-RE volta a insistir:
ALLB-RE – Em minha visão política e de Estado Nacional indicam, sim, a disfuncionalidade do Estado, uma vez que o Governo dirige o Estado. Ele é parte da sociedade política. O argumento de que Estado seria disfuncional não seria Estado, colide com a própria idéia de uma Constituição disfuncional, pois o Estado é regido por ela. Se ela é disfuncional o Estado é disfuncional, pois os Governos, necessariamente, têm que se conduzir, no Estado de Direito, pela norma constitucional, simplesmente porque em sua gênese a Constituição implica em estabilidade da norma jurídica, uma vez que esta decorre de um pacto constituinte que pretende, fundamentalmente, organizar o Estado. Exatamente por não ter durabilidade é que se impede a consolidação do Estado funcional. Mais, jamais a mudança desordenada e freqüente da norma constitucional, ao sabor do dia a dia e no curto prazo, pode decorrer simplesmente de correlação de forças partidárias, entre oposição e Governo. Talvez esse conceito seja um subproduto de poder constituinte em excesso que é dado a representantes eleitos que não receberam a outorga constituinte do povo. Embora se admita mecanismos de ajustamentos das normas constitucionais, para que elas possam regular melhor os fatos nacionais (sejam eles políticos, econômicos ou sociais) eles devem ser usados e decorrer da VONTADE CONSTITUINTE NACIONAL do povo e deve obedecer a pressupostos característicos da própria Lei Fundamental e de seus fins – organizar o Estado – e não estar sujeito a planos de governo (ou até a falta deles), estes sim dependentes da correlação de força entre situação e oposição. Aliás, esse é um dos piores aspectos da disfuncionalidade do Estado Brasileiro.
Cabe esclarecer que esse aspecto do debate decorreu, entretanto, do fato de ter dado um exemplo da disfuncionalidade do Estado e só nisso ocorreu o desvio do tema central, introduzindo aspectos conjunturais. Visava reforçar a idéia que estava exposta na Palestra – que a segurança jurídica é dada pela lei e que se nem a norma constitucional, necessária e juridicamente duradoura e estável, é respeitada então isto é que promovia é a insegurança jurídica. Bom exemplo, dessa instabilidade jurídica é a nova CSS (ou uma CPMF permanente) que afetará toda economia e todos os cidadãos, de uma forma ou outra, quando acaba de ser retirada do texto constitucional. Mas, isso é conjuntura. Evito-a em benefício do debate.
Mas, o fundamental que se queria realçar é que seja a disfuncionalidade do Governo que dirige o Estado ou a disfuncionalidade do Estado em seus vários poderes constitutivos – diferença que, a meu ver, se limita à pura semântica – o fato a destacar é que essa é a verdadeira causa da disfuncionalidade das FFAA e não o fato de raramente entrar em guerra. E isto reforça que a MISSÃO é o elemento constitutivo essencial dos Exércitos ou do segmento militar. Estado (ou Governo) disfuncional só pode gerar sua componente militar disfuncional.
A respeito do princípio aglutinador:
ALLB-RE – Não estou considerando a HONRA como “boa conduta”. Não se trata de resistência a ela como princípio constitutivo. Trata-se, na verdade, de análise sociológica objetiva do grupo militar. Menos ainda que os civis se aglutinem pela missão. Entendo como inválidas essas afirmações, se consideradas que possam ser deduzidas do que eu disse ou de como tenham sido indevidamente interpretadas. As afirmações acima são as do Oliveiros e não minhas e muito menos é válido inferir que eu tenha entendido honra como outra coisa senão como virtude sociológica relevante do meio militar (entre outras) e que, por isso, se toma um princípio delimitador de conduta e, portanto, com capacidade de aglutinação. Esclareço ainda: O Conselho de Justificação (que não mencionei, mas que foi agora mencionado) é previsto no Código Penal Militar, o que o torna um órgão do poder judiciário militar (ou seja, uma instituição), para em 1ª Instância julgar a ocorrência crimes militares previstos no Código Penal Militar e não boa ou má conduta. Esta instituição se projeta nas Auditorias Militares que julgam os crimes militares e em última instância no Superior Tribunal Militar. Semelhante, portanto, a instâncias do Judiciário civil. Aliás, instituições que estão na mira do meio civil, onde se propugna pela sua extinção, dentro do “politicamente correto” que disputa a hegemonia das classes sociais ditas subalternas. Quem julga boa ou má conduta é um componente de legislação do Estatuto Militar – o Regulamento Disciplinar – que, diga-se de passagem, está, hoje em dia, por muitas razões sub-reptícias, inclusive ideológicas, também sob a mira da disfuncionalidade do Estado (ou Governo) e de muitos desregramentos que são considerados “politicamente corretos” no meio civil.
A respeito de Missão:
ALLB-RE – Poder-se-ia supor que eu disse que no meio civil (ou no meio militar) a missão corresponde a uma tarefa ou um objetivo e que o meio civil a missão é elemento constitutivo básico também; afirmei que a missão no meio civil é multifacetada. Sim. O que não se pode inferir é que eu tenha dito que no meio civil cada grupo tem uma tarefa a atingir. O que eu disse é que a MISSÃO, diferente do segmento militar, não seria o elemento constitutivo básico no meio civil porque ali ele é multifacetado. Há outros elementos constitutivos que aglutinam os diversos segmentos civis, diferentemente das FFAA. Entre eles estariam os citados pelo Oliveiros.
O que eu afirmei é que a MISSÃO é a “razão de ser” do militar e ele é o elemento constitutivo básico e não a HONRA.
A propósito de tática e estratégia no entendimento da Missão:
ALLB-RE – Bem, escoimado o que diga respeito a conjunturas, consolida-se aqui a divergência inamovível que cabe a cada um discernir sobre ela. As missões não são distintas. Essa é uma conclusão forçada e que não encontra amparo no meu texto, quando tento explicar por que o poder militar é levado a incursionar no campo político (e esta afirmação nada tem a ver com intervenção militar no poder político ou com as intervenções na história brasileira). Essa conclusão não é de minha responsabilidade, perdoe-me o Oliveiros. Nem a hierarquia preside o raciocínio. Nem a MISSÃO é diferente conforme o escalão ou a hierarquia. Todos fazem parte de um todo, cada um com missões características, como comando, treinamento, etc. A formação nos escalões mais baixos, embora regida rigidamente pela MISSÃO, se caracteriza por aspectos mais táticos e de emprego. Nos escalões superiores absorvem, também, aspectos estratégicos que são desenvolvidos nos escalões menores, em menor escala. São esses aspectos estratégicos que levam os Altos Comandos, a ter ingerência nas questões de estado, principalmente naquelas que envolvam e afetem a MISSÃO – o elemento constitutivo básico do poder militar.
Aliás, isso que considero um “erro” – a idéia de que o ethos burocrático e hierarquizado que presidiria a obediência militar está largamente abordada no seu Livro “Elos Perdido”. Ali a idéia seria: no meio militar – obedecer sem discutir a ordem superior. Mas, a realidade dessa idéia de obediência está em outro diedro da compreensão da obediência. Explico-a. Assim vejo a obediência militar como eu a aprendi: – Deve-se discutir e opinar no máximo de sua competência pessoal e funcional, na elaboração do processo decisório que vai escolher como se cumprirá a MISSÃO. Uma vez tomada a decisão por quem tem a responsabilidade e poder funcional de tomá-la, devem ser empenhadas a mesma competência pessoal e funcional, para levar a bom termo a decisão tomada. Isto implica em desenvolver outro tipo de virtude aglutinadora que poderia ser definida como “disciplina intelectual”. Ela consiste em agir mesmo que seu raciocínio aponte que aquela solução não é a melhor. Este é o sentido do aprendizado da “obediência devida”. Ai, também, como se vê é preponderante o sentido de MISSÃO. O “Ides comandar, aprendei a obedecer” que o cadete diariamente vê diante de si, em longos anos de sua formação, contém na essência essa idéia de obediência e não a da obediência burocrática ou cega que se queira definir como obediência militar ou do militar – típica do ethos burocrático.
Por outro lado, a idéia que tenha ou que se venha a ter da realidade nacional, nos diversos escalões é inerente a função militar, principalmente nos altos escalões. Mas, eu não disse que isso justifica ou motiva intervenções ou dá sentido à MISSÃO no campo político aos militares. E, sim, que, como componente militar do poder nacional, não há como afastá-los do processo decisório de Governos (do Estado, portanto) naquilo que diz respeito a sua MISSÃO. Até porque eles existem para isso. Para ser o instrumento militar do Estado.
Ainda sobre a missão, disfuncionalidade e carência de meios:
ALLB-RE – Bem, usemos as mesmas colocações, ainda que sem certas pinceladas de ironia. Por certo, os meios são aqueles necessários à MISSÃO, conforme a defina o Estado (em consonância com a Vontade Nacional, essa estranha componente macrométrica de poder nacional, tão confusa entre os brasileiros). Certamente não são os que devem ser mostrados nas paradas, nem diante de índios ou ONGs ou mesmo diante de certas inflexões de projetos de poder de ideologias em confronto. Comunismo e democracia, capitalismo e socialismo, etc. Cabe, sim, a pergunta: – Quais as funções do Estado? Nelas, quais são necessárias a intervenção do poder militar? Para cada função do Estado em que seja necessário o uso do poder militar, será necessário que o Estado quantifique e qualifique os meios necessários que deve equipá-lo para que cumpram a função do Estado, com parte genética que é dele.
Cabe aqui ressaltar que eu não disse que a missão do poder militar é garantir a soberania e a integridade territorial. Eu disse que “essa MISSÃO se confunde nela com a função do Estado – a preservação de valores da soberania e da territorialidade, todos embutidos na Teoria Geral dos Estados”. Portanto, essas são mesmo funções do Estado, mas em “ultima ratio regis” quem o Estado usará para cumpri-las? Obviamente, é necessário preparar-se para ela, pois se há uma coisa que não se improvisa são os mecanismos de defesa e a mobilização para ela. Daí por que se torna perceptível, não só que a MISSÃO é o elemento constitutivo básico do poder militar, mas que é a limitação de meios para que ele se prepare para ela e não o fato de raramente entrar em guerra que gera a sua disfunção (do poder militar). Pior, ainda, quando isso ocorre por razões ideológicas que alimentam projetos de poder que visam mudar a natureza política do Estado e de seus entes constitutivos e não por limitações de recursos determinados por disfunção do próprio Estado, diante do que se evidencia como ameaça a qualquer função dele, tanto com origem interna como externa.
Diz Oliveiros: “… reforça o entendimento de que a disfunção decorre da falta de meios para fazer a guerra. Ora, pergunto eu, para que meios se não há guerra, se ela não vem e a sociedade, como disse, folga com isso? Na hipótese de os meios serem dados – armas modernas e soldos dignos, também – e a guerra não acontecer, não haverá disfunção?”
Digo eu, com certa preocupação de não cair no que chamo de “guerra de palavras”: não é da falta de meios para fazer a guerra. Mas da falta de meios para preparar-se para ela. Quem proverá meios para fazer a guerra será a capacidade da mobilização nacional. Não vou repetir a frase que traduz com perfeição essa necessidade do poder militar. Se os meios forem dados e a guerra não acontecer não haverá disfunção certamente (fica respondida a pergunta), pois terão sido garantidas não só as funções do Estado, como o poder militar terá cumprido a sua MISSÃO, pois que exerceu a parte dissuasória dessa mesma MISSÃO, sem ter que ser empregado em guerra. Logo, onde estaria a disfunção? A função do poder militar não é necessariamente fazer a guerra, mas, antes, ajudar o Estado a evitá-la, preservando as funções do Estado porque é capaz de infundir a idéia de “preço se houver a agressão”. Isto depende de meios e preparação.
Por fim, reitero esclarecendo: sem meios que permitam esse preparo, a MISSÃO continua a ter que ser cumprida. É a mesma. E não é na política e nem é política, no sentido da dúvida que foi colocada. Mas, é política do Estado a ser cumprida e para o poder militar essa MISSÃO é permanente, não muda, ou não terá sentido a sua existência, como componente de poder do Estado.
Entendo que não cabe responder a ilação de que a MISSÃO passaria a ser – zelar para que o Estado não se afaste do que o Partido Fardado julgue ser seu Norte. Isso cabe ao povo, à nação! Ou a quem o povo delegar no processo histórico, sujeito ad eternum à sua aprovação o que for delegado. A sabedoria da história mostra que essa questão não se enquadra nos objetivos do debate. As relações de poder vão se construir, independente dos militares, com os diversos entes da nação. De uma forma ou outra os militares estarão envolvidos nessas relações de poder. Com ou sem “Partido Fardado”.
Sobre as intervenções militares, sem pretender cair na conjuntura, diz o amigo:
ALLB-RE – Mas cabe um reforço em como vejo as intervenções militares, para eliminar dúvidas. Considero um reducionismo a idéia de que os militares tenham sido seduzidos por grupos civis nessas intervenções. Não porque não admita que a “sedução” tenha estado presente nos fatos ou porque foram feitas para mudar formas de governo. Ou porque não é a sua missão e nem aglutina. Ou que não tenha havido divisões. Houve sempre que se perdeu em alguma parte do poder militar a idéia seu elemento constitutivo – a MISSÃO!
Nas mais recentes, o fator mais influente dessa divisão foi, sem dúvida, ideologias que se confrontavam, não só aqui, mas no mundo. Mas, elas sempre ocorreram por razões e motivações institucionais preponderantemente, mesmo nestas mais recentes. Ou seja, decorrentes da vontade nacional que de alguma forma predominou, ainda que se verifiquem algumas motivações organizacionais que estão mais ligadas ao elemento constitutivo que considero básico – a missão. As crises geradas pelas disfunções do Estado nascem sempre no meio civil e majoritariamente na sociedade política. Em alguns casos históricos, ambas as motivações se fizeram presentes. Mas, sempre preponderando as institucionais. Exatamente porque essas crises nascem e crescem no meio civil, nas instituições da nação. É onde continuam sendo geradas outras, hoje, por razões ideológicas. Estas motivações deram origem a períodos de relação de poder entre os militares e o restante da nação, em particular com a sociedade política. Essas relações descrevem uma senóide em que se alternam ciclos laudatórios de relevância militar, cooptação entre essas partes nos intermédios e de traço erradicatório contra o poder militar em outros. Estes ciclos são diretamente relacionados com a disfunção do Estado e com as variáveis dominantes no meio civil de cada um deles e com as crises que ai germinam.
Isso sim é que mereceria a atenção do Estado e da Nação, pois as ameaças sobre nós sugerem que é tempo de outros ciclos! Sobre isso o debate deveria se frutificar!
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