OESP
Na discussão da crise que se abateu sobre o Brasil, as atenções estão concentradas sobre o movimento da bolsa e o da fuga de capitais. São poucos aqueles que se dedicam a registrar que, em boa medida, a crise pode ser explicada também pelo fato de os Estados e municípios terem tido, durante longos anos, quase total liberdade para fazer sua própria política econômico-financeira.
Há dias, por acaso, encontrei entre velhos papéis um artigo sobre a cassação dos direitos políticos do sr. Ademar de Barros pelo primeiro Governo militar, o do Presidente Castelo Branco. Entre as razões que, à época, se davam para a cassação – que encerrou sua carreira política – havia uma que me chamou atenção: era que ele, ao pretender emitir títulos da dívida pública estadual, colocaria em risco a política econômica do Governo central. A lição que fica desse episódio do qual muito poucos se lembrarão não é que a cassação se deu porque se vivia sob um regime ditatorial. Não será difícil encontrar, nos governos que se sucederam ao de Castelo Branco, exemplos de governadores nomeados pelo poder central que fizeram dos bancos estatais de seus Estados novos institutos de emissão sem que ninguém lhes dissesse qualquer coisa. O problema, para Castelo Branco, era que ele tinha noção do que devesse ser uma política de Estado, de Estado Nacional, e de que essa política se expressava, inclusive, se não sobretudo pelo cuidado com que o Governo central cuidava da moeda.
O que pretendo dizer é que Ademar de Barros foi cassado porque o Ato Institucional nº 2 a rigor fazia da Federação uma mera palavra – fato que ganhou corpo com o Ato 5 e depois, seguindo as leis de Parkinson, pela mudança do nome do País de “Estados Unidos do Brasil” para “República Federativa do Brasil”. A Federação acabou nos governos militares; estabelecida a democracia de 1988, ela voltou em plena forma e com ela o descalabro de que, agora, o Governo de Fernando Henrique Cardoso se dá conta.
Os que se preocupam com os efeitos da crise sobre o Brasil e estão atentos para a participação que Estados e municípios têm nela, deveriam colocar-se o problema central do País desde muito: Federação ou Estado Unitário?
A Federação, deixemos de mentir para dentro, renasceu com a Carta de 1988, que a transformou em cláusula pétrea. No Senado, há quem pretenda controlar o que os governadores fazem com o dinheiro das privatizações, buscando evitar o aumento do déficit público, que assusta os que nos olham lá de fora. No Supremo Tribunal Federal, sua intenção cai por terra, fulminada pela pedra lançada pela funda do artigo 60, § 4º. Enquanto isso, de todos os quadrantes, vem o rumor de que, depois das eleições, a austeridade será implantada no País. Desta vez, para valer, porque a crise é grave. Será implantada sobre a pedra da Federação?
O Governo central pode punir os governadores cuja ação destoar do programa de austeridade, demorando a repassar sua cota no Fundo de Participação dos Estados. Qual será a represália da bancada desse Estado a essa política que visa a salvar as finanças de todo o País?
Seria bom que fôssemos pensando sobre essa questão simples: é possível colocar finanças públicas em ordem e construir de fato uma Nação, quando o Estado é federativo – uma Federação sui generis, em que os municípios a constituem em união perpétua e indissolúvel como preceitua o artigo 1º da Carta?
Uma Federação em que os governadores só pensam no Poder Central para renegociar dívidas ou pedir a intervenção do Exército para combater os estados não-constitucionais? Ou será necessário dinamitar a pedra e vestir o uniforme unitário? Afinal, que vantagem há em querermos ser federalistas se, lá fora, quando se fala dos crimes cometidos no Brasil, o responsável por todos eles é o Governo central – até pelos atrasos da Justiça dos Estados?
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