OESP
As explosões nucleares que a Índia realizou nesses últimos dias chocaram o mundo. O que me interessa discutir não é se o risco de uma guerra nuclear entre potências regionais aumentou ou não. Do ponto de vista estritamente militar, já me pronunciei anos atrás, mostrando os riscos que qualquer governo corre no instante em que tem armas atômicas em seu arsenal: os militares podem mudar completamente sua doutrina e suas concepções estratégicas, que passarão a depender, então, exclusivamente, da arma final.
Esse perigo é real e ameaça muito mais o país que entra para o clube do que aqueles a quem pode, eventualmente, ameaçar com a posse da arma atômica. O que deve chamar a atenção no caso da Índia – como deveria ter chamado no caso da China, bem antes, e do Paquistão, se chegar a fazer a sua bomba -, é que a decisão de realizar as experiências pode ter sido tomada por um governo nacionalista, mas o desenvolvimento da arma é resultado de uma política nacional que foi perseguida durante anos por diferentes governos, de diferentes orientações políticas, que investiram na formação de recursos humanos.. Resumindo razões, a Índia passou a ter o domínio do ciclo completo do átomo porque havia uma política de Estado a orientar as pesquisas nessa direção. Em outras palavras, porque ser uma potência nuclear, com todos os riscos políticos, diplomáticos e econômicos decorrentes da opção, foi uma decisão de Estado. O que, parodiando o General de Gaulle, apenas comprova que há um Estado na Índia, apesar de todas as diferenças étnicas, religiosas e de casta. Ou que, pelo menos, há uma elite que pensa o Estado enquanto Estado e não como um estorvo que deve ser eliminado.
O Brasil tentou ter o domínio do ciclo completo do átomo. O acordo com a Alemanha – o mais clamoroso exemplo de que os governos podem avaliar mal os negócios que fazem, desconsiderando os documentos internacionais – foi aprovado praticamente pela unanimidade do Congresso como manifestação de independência nacional frente aos Estados Unidos. Depois da abertura democrática, passou a ser criticado como loucura dos militares. O que indica, a toda evidência, que não há quem pense o Estado brasileiro enquanto Estado. Não que defenda a construção da bomba pelo Brasil; como disse atrás, não desejaria que a doutrina militar brasileira ficasse subordinada à posse da bomba. A questão que me preocupa é que o malogro do programa nuclear – e mesmo as suspeitas que cercam o programa da Marinha, se é que ainda continua – apenas vem demonstrar que não há políticas de Estado; que não há elites dirigentes que sejam capazes de formular um projeto que una o Norte – que se sente abandonado – ao Sul – que se considera explorado.
Não se trata de projetos grandiosos, apoiados na bomba. É possível que, na Índia, a bomba venha a servir para unir aquilo que está desunido. No Brasil, alguém pensar na bomba seria considerado doido e deveria ser internado. O que é preciso é pensar no Estado enquanto Estado. Isso significa que se deve pensar – e, em seguida, agir, para realizar o que se pensou – qual o futuro que desejamos para nossos filhos – netos é uma coisa muito distante. Talvez Orson Welles, no fim do “Terceiro homem”, tenha dito em poucas palavras o que procuro dizer com tantas: o Renascimento italiano, com toda sua desordem, sua ilegitimidade, seus maquiavéis, produziu o pensamento e a arte que admiramos. A Suíça, com sua ordem, produziu apenas relógios.
O que me preocupa é que não temos uma elite que diga a milhões de semiletrados se devemos ser uma nação pela qual valha a pena sacrificar-se, ou apenas um mero reprodutor do capital globalizado.
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