A ROLETA-RUSSA

OESP  

 

    Ainda hoje há quem jogue a roleta-russa, confiando na sorte. Em que consiste esse jogo? Em apanhar um revólver de seis tiros, colocar uma bala no tambor, girá-lo, apontar o cano para o crânio e puxar o gatilho. Uma chance em seis de morrer. Uma chance em seis é um jogo muito arriscado. Apesar disso, havia os que, ganhando na primeira, prosseguiam – e quando a sorte os favorecia, chegavam a puxar o gatilho cinco vezes, não a sexta, pois apesar de desesperados ou apenas exibicionistas, não eram tão idiotas assim.  

 

    No fim do século XX, quando o dinheiro se desligou da produção e os mercados, dizem, ficaram globalizados, jogou-se a roleta-russa, mas sem desespero. Com cálculo e cupidez. Raciocinando em termos unicamente financeiros: a Rússia é um mercado de risco, deve pagar tanto de juro para compensar o risco de perder o principal – e os que aplicavam sabiam que não podiam puxar o gatilho pela sexta vez. Leio que Soros – o megainvestidor, que jogou contra a libra esterlina quando a Inglaterra era um leão sem dentes e não mais governava os mares, e ganhou – perdeu dois bilhões de dólares nas últimas traquinagens feitas em Moscou. Não há porque descrer da informação – mas há que tomá-la com todo o cuidado, pois poucas semanas antes da quebradeira ele havia advertido que só havia uma solução para a Rússia, que era uma espécie de tutela financeira. Se sabia que já tinha puxado o gatilho quatro vezes, será que decidiu deixar seu dinheiro lá e tentar mais uma vez para ver se a sorte o favorecia?  

 

    Nunca saberemos. O que sabemos é que aqueles que se especializavam em recrutar quem queria jogar a roleta-russa sabiam que o mercado era instável, e os que investiam sabiam que tinham uma chance em seis. Só que se esqueceram, todos – e seria bom que acordassem agora para as duras realidades -, que o problema russo não era uma chance em seis na roleta das aplicações de risco.  

 

    O problema russo era, como é, um problema geopolítico, além de econômico-financeiro – pela simples e boa razão de que não se pode imaginar que a desestabilização daquela grande massa territorial não produza efeitos políticos e sociais da maior gravidade no Leste Europeu e, cuidado!, na Alemanha. Os que jogaram a roleta-russa não pensaram em termos políticos, muito menos geopolíticos. Para eles, essa história de geopolítica é coisa do passado e, especialmente, coisa que morreu depois da queda do império soviético.  

 

    Infelizmente, não é assim. Os geopolíticos sérios sempre construíram suas teorias com base nos dados da tecnologia que mais bem aproveitasse a energia disponível na época. Por isso, Mackinder temia que o trem de ferro pudesse colocar o Poder Marítimo em xeque, na medida em que as estepes siberianas fossem cruzadas pelas estradas de ferro e as águas quentes se abrissem à esquadra do Poder Terrestre no extremo do Pacífico, ameaçando o Poder Marítimo. E também por considerar o peso das massas territoriais na formulação das grandes estratégias, temia a união da Alemanha com a Rússia czarista.  

 

    A energia, hoje, é a moeda virtual movida pela eletricidade, que se não tem a velocidade da luz, elimina em poucos minutos as diferenças enormes dos fusos horários. Em outras palavras, e voltando ao raciocínio inicial, faz que os que jogam a roleta dos capitais voláteis ou virtuais saibam, minutos depois de acontecer a catástrofe, como proceder e em que mercado tentar recuperar suas perdas. Não que a perda em si – exceto para quem aconselhou e não é patrão – produza efeitos pessoais. A perda fere o sentido da cobiça. Que não é geopolítico, mas está produzindo profundas alterações na geopolítica econômica, para as quais é preciso ter planos de contingência, especialmente quando se é a quinta massa territorial do globo e a oitava economia (PIB) do mundo.

 

 

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