OESP
Senhor Presidente.
Ao dirigir-me a V. Exa., louvo-me no contato que tive ao longo dos anos com o pensamento militar. Não que pretenda conhecê-lo a fundo; sei, porém, que ao escrever ao Presidente da República, que é o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, reflito a inquietação de que muitos dos integrantes das três Forças devem estar possuídos ao atentar não para as primeiras providências de seu Governo, mas ao espírito que seguramente as inspirou. É para o “espírito” que desejo chamar a atenção de V. Exa., pois, se correta for minha interpretação – que seguramente é a de muitos nas Forças de terra, mar e ar -, estará sendo criado um fosso profundo (ademais, desnecessário) entre as Forças Armadas e o Governo de V. Exa.
Vamos aos fatos, tal como os vejo e para os quais desejo chamar sua atenção.
Em primeiro lugar, é preciso que V. Exa. se convença de que não terá aliados mais devotados e fiéis em sua cruzada para realizar aquilo que o sr. Ministro-Chefe da Casa Civil disse ser uma “revolução social” do que a maioria dos integrantes das Forças Armadas. Em aulas que ministrei na ECEME, em conferências que proferi no CPAEx e nos contatos que sempre mantive com oficiais das três armas, pude perceber, sem possibilidade de erro grave, que tinha diante de mim oficiais intermediários, superiores e Generais que compreendiam o Brasil melhor do que muitos de nós, civis, mesmo os que alardeavam, em dada época, seu apego ao “socialismo real” e faziam críticas à política que Gorbachev seguia na então União Soviética. Ao escrever “compreendiam”, pretendo dizer que tinham muito nítida em suas consciências (seu juízo não está em julgamento) que havia responsáveis, claramente identificáveis, pela miséria de largas camadas da população brasileira, miséria da qual, no exercício da profissão, tinham sido e eram cotidianamente testemunhas oculares. Mas tinham eles também muito nítido que os Governos civis, mesmo aqueles que alguns políticos diziam ser egressos do “período militar”, nutriam desconfiança com relação às Forças Armadas e sua destinação, e que tudo faziam para indispô-las com a sociedade em geral e para impedir a modernização e adequação das condições objetivas de trabalho às funções da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Não é o momento, sr. Presidente, de discutir de que forma isso poderá ser realizado – há cerca de 40 anos, defini minha posição sobre esse problema capital para o futuro do Estado brasileiro. O importante é compreender que a modernização e a adequação são necessárias e urgentes, sob pena de se verem as Forças Armadas transformadas em gendarmaria. Não me cabe repetir, agora, posições que os ventos da política partidária e ideológica, que de lá para cá sopraram sobre o País, impediram que fossem examinadas e discutidas com a necessária isenção. O que importa é fazer saber que, colocado entre as pontas de um dilema falso, “manteiga ou canhão”, V. Exa. decidiu-se pela opção que pode, ao longo dos meses, contribuir para reduzir o potencial defensivo do País e, o que é politicamente mais grave, para que no seio das Forças Armadas haja quem se disponha a comparar seu Governo com os daqueles que as levaram à triste situação em que hoje se encontram.
Refiro-me, está evidente, ao adiamento da concorrência para a modernização da Força Aérea Brasileira, mas não apenas a esse fato. Sobre ele, direi que a concorrência era, para a FAB, uma promissória com data certa de vencimento. Ao adiá-la, V. Exa. transferiu o vencimento da promissória para bem distante no tempo. Não é preciso lembrar-lhe que V. Exa. declarou várias vezes que, se ao fim de quatro anos não houver brasileiro famélico, dar-se-á por política e pessoalmente realizado. Mas tampouco será preciso recordar-lhe que V. Exa. se comprometeu com a defesa da soberania – o que apenas se logra com Forças Armadas prontas. Em quatro anos, sabe V. Exa. que não se resolverá o problema da injustiça social no País, o que permite supor que a modernização da FAB tardará mais que o agora prometido. Que será feito, então, para que a palavra empenhada por V. Exa. seja. considerada honrada, e para que 2004 não seja, para seu Governo, uma data sem valor?
Porque não é apenas o problema da FAB que preocupa. É, como disse acima, o “espírito”. São muitos os Ministros, das mais variadas áreas, que sugerem, em nome da justiça social, missões ao Exército e também à Marinha, parecendo dar continuidade, em alguns casos, às políticas anteriores, nenhuma das quais preocupada com o problema da defesa nacional. Sem manifestar abertamente as restrições que fazem à existência das Forças Armadas, pretendem reduzi-las a uma condição subordinada no quadro das instituições do Estado. Tudo se passa como se, incapazes de compreender qual seja a missão e, portanto, a função do Exército e, por extensão, a das demais Forças, pretenda-se fazer delas o instrumento para que se tornem efetivas as políticas sociais que o Estado “civil” não tem condições de realizar – e nunca se soube por quais razões.
A persistir essa mentalidade e essa falta de visão estratégica, estará V. Exa. alienando o que de mais valioso qualquer governo pode ter no trato com as Forças Armadas que são, como se sabe, o instrumento do Estado e não de governos. Refiro-me à disciplina intelectual, pela qual se obedecem a ordens não porque são dadas por quem tem o poder de dá-las, mas sim porque se reconhece a reta intenção de quem as dá e, sobretudo, porque se sabe, de certeza sabida, que o mesmo ideal inspira quem dá ordens e quem tem o dever de obedecer.
Eram essas as considerações que desejaria transmitir a V. Exa. Faço-o como cidadão, preocupado com a defesa do País, e alimentando a esperança de que seu Governo não decepcione a esperança que sua eleição despertou em grandes camadas da população – inclusive entre as Forças Armadas.
Atenciosamente,
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