GRANDE MOTIM… A VIR

 

 

     Não serão muitos os que darão a devida importância ao fato de o Poder de Estado haver cedido ao motim dos sargentos da FAB que controlam o espaço aéreo. Haverá outros, bem menos que os primeiros, que se lembrarão de que o motim aconteceu na noite de 30 para 31 de março, exatos 43 anos depois que o General Luis Carlos Guedes sublevou a guarnição de Belo Horizonte, e poucas horas depois o General Olímpio Mourão Filho iniciou sua marcha para o Rio de Janeiro. Esses poucos dirão que os sargentos comemoraram, a seu modo, o aniversário da “Contra-Revolução de 1964”. A coincidência das datas — inclusive das horas — permite essa interpretação dramática.  

 

     Para que possamos ter dos acontecimentos uma visão mais completa, será conveniente enunciarmos fatos que já não moram na memória de quase todos. Vamos a eles.

 

     1961 — Para silenciar a “cadeia da legalidade” que Brizola estabelecera a partir de uma emissora de rádio instalada no Palácio Piratini, alguns Oficiais da FAB pretenderam levantar vôo em Porto Alegre e bombardear o palácio. Os sargentos da base esvaziaram os pneus dos aviões e a operação não se realizou. Não se tem notícia de que, naquele ambiente em que o General Machado Lopes formava com Brizola, os sargentos ou os Oficiais da FAB tivessem sido punidos.

 

     1963 — Os sargentos se revoltam em Brasília, de armas na mão. Para protestar contra a decisão do Superior Tribunal Eleitoral que, amparado na Constituição, havia declarado sem efeito a eleição de alguns sargentos para a Câmara dos Deputados. A reação do Poder de Estado fez-se também de armas na mão, havendo mortos e feridos. O Presidente da República era o Sr. João Goulart.

 

     A partir desse fato, os Oficiais (especialmente do Exército) passaram a ter fundados receios de que os sargentos de suas unidades pudessem sublevar-se, repetindo o que acontecera em 1935. Para diminuir o risco pessoal, passaram a dormir com suas armas pessoais, e o controle do armamento das guarnições passou a ser extremamente rigoroso, mais do que o habitual.

 

     A reação de parte da opinião pública, para não dizer de quantos não se guiavam pela cantilena esquerdoide de que os sargentos eram o Proletariado e os Oficiais eram a Burguesia (e havia quem sustentasse essa sandice), a reação foi de temor de que o Estado pudesse fraquejar diante de novas sublevações desse tipo.  

 

     1964 — Na Semana Santa (março daquele ano) marinheiros e fuzileiros navais se sublevam em seus navios e em terra. Pelo menos de uma belonave, Oficiais foram jogados no mar. Em seguida, os amotinados se reuniram no Sindicato dos Metalúrgicos, realizando tumultuada assembléia em que o orador mais ardoroso foi um marujo (depois conhecido como cabo) chamado Anselmo. O Ministro da Marinha mandou um destacamento de fuzileiros navais para prender os revoltosos. Os fuzileiros aderiram aos que estavam no sindicato. Foi preciso que o Exército enviasse tropa para que o motim terminasse. Os marinheiros e fuzileiros foram recolhidos presos a um quartel do Exército e na mesma tarde anistiados pelo Presidente João Goulart.  

 

     O Exército, parte do Poder de Estado, reagiu, prendendo os amotinados. A anistia, violentando dispositivos constitucionais, veio simplesmente consagrar a fraqueza da Presidência da República, que cedia aos amotinados em nome da concórdia nacional. No dia 30 de março, o Presidente João Goulart fez um discurso no Automóvel Clube para sargentos e praças, quebrando a hierarquia e a disciplina. Naquela noite, o General Guedes, apoiado no Governo de Minas Gerais, levantou-se; horas depois, após alguma hesitação, o General Mourão Filho assumiu o comando da sublevação.

 

     1979 — O General João Batista Figueiredo mal acabara de tomar posse, quando o sindicalista Lula comandou grande greve no ABC paulista. Grande cobertura dos meios de comunicação, especialmente do vôo de helicópteros e aviões sobre o campo de futebol onde se reuniam os grevistas, em massa. O Tribunal Regional do Trabalho determinou que a greve cessasse. Lula desafiou a decisão da Justiça, tecnicamente se colocando contra o Poder de Estado. O espetáculo da massa de grevistas desfiando o Governo da Revolução impressionava todos. O Presidente Figueiredo mandou seu Ministro do Trabalho negociar com Lula. A negociação foi feita, a decisão do TRT jogada às urtigas e a greve cessou.  

                                                                                                         

     1999 — O Presidente Fernando Henrique Cardoso cria o Ministério da Defesa, com o que os Comandantes das Forças passaram a ser subordinados, desde então, a um Ministro civil pouco familiarizado com o espírito das Forças Armadas, que se articula em torno das noções de Hierarquia e Disciplina.

 

     2002 — O sindicalista que desafiara o General-Presidente e a Justiça foi eleito Presidente da República, tendo sido reeleito em 2006. Os que acreditam em teorias conspirativas dizem que o sindicalista de apelido Lula foi transformado no líder político de nome Lula da Silva por obra e graça das artimanhas do General Golbery do Couto e Silva. As mesmas pessoas — repito, que acreditam em teorias conspirativas — diziam em 1964 que o General Golbery buscara o apoio dos intelectuais de esquerda de São Paulo para o Governo Castelo Branco, tendo malogrado em sua aproximação.

 

     2005/6 — Os que têm acesso à Internet podem acompanhar manifestações de sargentos, que disputam cargos eletivos, e de Oficiais da reserva reclamando, todos, aumento de salários e criticando em tom revanchista os comandos das Forças Armadas.

 

     2006 — Apenas registrado o trágico acidente com o avião da Gol, começa a crise no controle do espaço aéreo. O noticiário nos meios de comunicação, primeiramente voltado para apontar a culpa dos pilotos norte-americanos do jato que colidira com o Boeing da Gol, lentamente passa a ser centrado nos controladores. Há notícias, sem atribuição formal de fonte, de que um ou outro controlador, sargento da FAB, poderia ser responsável por um mau controle dos dois aviões.  

 

     Iniciam-se os chamados “apagões”. Coloca-se em dúvida, sem desmentido das autoridades, que o equipamento para controle do espaço aéreo está ultrapassado diante do aumento do tráfego aéreo comercial-civil, quando não sucateado. As condições de trabalho dos controladores, dados como forçados a controlar mais aeronaves que o estabelecido em lei, merecem grande destaque na imprensa. Inicia-se uma campanha para que o controle do espaço-aéreo saia das mãos da FAB e seja feito por civis sem que se especifique que Governo, autoridade ou empresa privada assumirá a responsabilidade por esse controle. O Ministro da Defesa recebe uma comissão de controladores, passando por cima da hierarquia.  

 

     2007 — Os “apagões” repetem-se. O Ministro da Defesa desempenha, no decorrer de todo o episódio, o triste papel de nada saber de fonte própria. O Presidente da República, diante do espetáculo degradante que se observa nos aeroportos nesses dias, exige uma solução com data e hora… Às 18h30 do dia 30 de março, os controladores, sargentos e civis, reúnem-se no auditório do Cindacta de Brasília e enviam seu ultimato ao Governo: nenhum avião levantará vôo a menos que suas reivindicações sejam atendidas: nada de punições, cancelamento das transferências já feitas, aumento de salários e transferência do controle para civis. Brasília é importante como “entroncamento” (a imagem é ferroviária, mas diz bem o que tenho em mente) do tráfego aéreo do Norte e do Nordeste para as demais regiões e vice-versa. O caos se estabelece mais uma vez, afetando desta feita os aviões de empresas internacionais e os vôos nacionais para o Exterior.  

 

     O Comandante da FAB decide prender os amotinados e é impedido. O Presidente da República, em vôo para os Estados Unidos, decide que nada se faça contra eles e que o Governo deve negociar. Os sargentos se recusam a negociar com o Comandante da FAB, reclamando a presença da Ministra Dilma. Ela se encontra no Rio Grande do Sul; o Presidente determina que o Ministro do Planejamento e o secretário-geral da Presidência negociem.  

 

     Eles não negociam — aceitam as exigências dos amotinados. O Ministro do Planejamento justifica sua presença na negociação, dizendo que se o Ministro da Defesa e o Comandante da FAB fossem negociar, teriam de tomar posição diferente da que adotou.

 

     O pano cai sobre Brasília, isto é, sobre o Poder de Estado. O ministro da Defesa, jogado às urtigas pelo Presidente, não renuncia. O Comandante da FAB, humilhado pelos amotinados e pelo Presidente, teria pensado em renunciar, mas depois pensou melhor e não apresentou sua demissão. A FAB, por seu comando, deixou claro que não quer mais assumir o controle do espaço aéreo. Que os civis cuidem disso, no Ministério da Defesa. É como se dissesse, lembrando as vezes em que pediu providências e não foi atendido: “Quem pariu Mateus, que o embale”. Uma coisa não ficou clara, se de fato houver uma creche para o Ministro Pires tomar conta: quem controlará o espaço aéreo, quando se tratar de vôos militares?  

 

     O General de Gaulle, diante da revolta dos Coronéis e dos estudantes em Argel, dizia que o Poder não recua. Acostumei-me a dizer: desde que haja um Poder.

 

     Não se deve, a partir dessa lembrança do General de Gaulle, dizer que não há poder no Brasil. Há. Só que não é Poder de Estado consagrado, mal e mal, na Constituição de 1988; pelo contrário, é um poder que pretende substituir o atual Estado por outro. Sobre esse fato, é preciso meditar antes de avançar.

 

     É preciso, porém, tirar conclusões de tudo o que enunciei acima. Talvez sejam “conspirativas”. Desde, porém, que a realidade as sustente, têm boa probabilidade de traduzir o que está em curso. Vamos a elas.

 

     Os “apagões” anteriores haviam provocado irritação, mas não comoção da opinião pública. Comoção no sentido de que os cidadãos se sentissem prejudicados e colocados em situações de enorme constrangimento e de prejuízos muitas vezes irreparáveis. O acúmulo de um “apagão”, hoje, outro daqui a dez dias, porém, fez transbordar o copo da paciência. Ninguém mais queria saber de coisa alguma, especialmente depois que o Presidente Lula da Silva, ao invés de marcar prazo para a crise terminar, disse que queria que uma data fosse marcada — no seu estilo muito à la Stalin, de jogar a culpa nos subordinados. O motim do dia 30 apanhou todos os passageiros, no fim da tarde, sem informações, sem dinheiro para passar a noite, sem saber quando poderiam viajar. E nos trouxe a imagem de mães que havia horas levavam suas crianças no colo e a daquela senhora que pretendia embarcar em Brasília para Rondônia, creio, porque seu marido tinha sido assassinado, e teve de ficar presa no aeroporto sem perspectiva alguma de poder aliviar sua dor e prantear a morte do marido junto a seu cadáver. Sem falar do cidadão que enfartou no aeroporto de Curitiba e morreu a caminho do hospital.  

 

     É importante reter esse fato: as anteriores “operações padrão” só atingiam o Governo Lula da Silva na medida em que os passageiros que não podia embarcar tendiam a responsabilizar as empresa. Os porta-vozes do Governo, aliás, lançaram a população contra elas. No dia 30, porém, a coisa foi diferente criou-se o caos em todo o País, com um agravante: pelo que se viu do noticiário de televisão, não houve quem dissesse aos passageiros que a culpa não era das empresas, mas dos controladores. Esse silêncio, culposo se não doloso nas circunstâncias, aumentou a tensão e fez que passageiros menos calmos agredissem funcionários e depredassem os balcões de empresas.  

 

     Foi diante disso, situação criada com sabedoria e montada peça por peça, que o Presidente Lula da Silva mandou negociar, vale dizer, ceder. É lícito supor que teve presente a situação de 1979: comoção nos meios de comunicação (sem censura, lembremo-nos); massa reunida em um estádio de futebol, famílias lamentando a situação de seus chefes em greve etc.. Tudo o que viveu e deve ter-se lembrado.  

 

     O clima foi criado e a cena montada: a população com raiva do Governo e da situação; comentaristas de TV fazendo, conscientemente ou não, a apologia do motim. Advogados ilustres dizendo que prender um sargento amotinado seria violentar o preceito constitucional que garante o direito de ir e vir. A tragédia não poderia ter sido melhor encenada.  

 

     O próximo ato será mais trágico. Não irá comover a opinião pública, a não ser aqueles que se preocupam com o Poder de Estado que não pode recuar. O ato será encenado nas Forças Armadas. Qual o enredo até agora, no que poderíamos dizer terem sido os ensaios (e o ensaio-geral, o do dia 30) de uma grande tragédia?

 

     Primeiro ato: difunde-se pelos canais possíveis a idéia de que as Forças Armadas são desnecessárias enquanto força militar;  

 

     Segundo ato: o Governo Lula da Silva continua a política do Governo Fernando Henrique Cardoso sucateando as FFAA e nomeia para Ministro da Defesa quem nada tem a ver com os problemas da Pasta e, Lula consule, quem teve ligações com a situação deposta em 1964;

 

     Terceiro ato: o Governo Lula da Silva não aumenta os soldos e cria insatisfação nas Forças, especialmente nos sargentos;

 

     Quarto ato: o acidente com o avião da Gol permite que a “operação 30 de março” comece a ser montada. Difunde-se a idéia de que o controle do espaço aéreo deve ser civil e a de que os salários pagos aos sargentos e seus equivalentes civis são irrisórios (e o salário pagos aos demais sargentos? São bons?);

 

     Quinto ato: a “operação 30 de março” é vitoriosa. Com ela lançam-se as bases para a tragédia principal, que poderá desenrolar-se em um ou mais atos, e que pode ser assim resumida — não entrando na consideração de quem irá controlar o espaço aéreo:

 

     Aumentam-se os salários dos sargentos controladores, mas se mantêm os salários dos sargentos que militam nos quartéis e são os responsáveis primeiros pela disciplina da tropa. O grande motim seguir-se-á a essa situação de desconforto.  

 

     Não preciso dizer mais. O quadro está pronto para a grande subversão que será concluída com uma grande negociação, desta feita com Dilma ou talvez com o próprio Lula, que negociou o descrédito da Justiça com um Ministro do Trabalho em 1979.

 

 

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