HONDURAS E O APOCALIPSE DIPLOMÁTICO

 

    

 

     Hesito entre o filósofo e o militar.

 

     Ortega y Gasset sustentava que o homem é ele e suas circunstâncias. O General Volkogonv escreveu que “se as personalidades não fazem a História, então a História se faz por intermédio das personalidades”.

 

     Lula, Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim estão escrevendo História, aproveitando-se das circunstâncias criadas em Honduras. Ao receber Don Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, o trio responsável pela condução da política externa brasileira comprometeu o Estado brasileiro com a política interna de um país fora de sua área de influência geográfica e deve estar comemorando a projeção que o Governo de Brasília ganhou nos meios de comunicação e junto às Chancelarias de toda a América e, quem sabe, do mundo.

 

     Decidiram agir sozinhos? Ou terão comprometido, mais uma vez, o Brasil com a condição de sipaio(*), o que terão feito se, simplesmente, atenderam a uma sugestão de Washington?

 

     Prefiro acreditar na primeira hipótese. É para a seriedade dela que desejo chamar atenção.

 

     O Chanceler Amorim, se pretende nos convencer de que o Brasil soube da chegada de Zelaya no momento em que este apertou a campainha da Embaixada, deveria exibir uma fisionomia preocupada ao falar do assunto. A alegria que deixou transparecer − e quem o viu na TV em entrevista poderá testemunhar − é a de quem concluiu com êxito uma grande manobra. Manobra que, de fato, assim grande deve ser considerada.

 

     O albergue concedido a Zelaya foi uma grande manobra só comparável, por suas conseqüências, ao plano Mannstein para a invasão da França em 1940. Os Três Cavaleiros do Apocalipse diplomático devem tudo ter previsto para que a repercussão do ato tivesse o alcance que teve.

 

     Primeiro, a montagem da operação.

 

     Louve-se o sigilo que a cercou, embora um ardiloso Bond, à luz de certos indícios, pudesse suspeitar de que alguma coisa de grandioso estava em gestação. Os indícios saltavam aos olhos: a posição assumida na reunião da OEA que suspendeu o Governo de Honduras sem atentar para o fato de que a deposição de Zelaya obedecera aos ritos constitucionais do seu país. Depois, a insistência com que o Chanceler pôs-se a dizer que a maior responsabilidade pela solução desejada pelos Estados representados na OEA caberia aos Estados Unidos por dezenas de razões, duas das quais eram evidentes: interesses econômicos e preocupação geopolítica. A bem dizer as coisas, não desejava que a senhora Clinton colocasse o Departamento de Estado na primeira linha de fogo contra o Governo hondurenho. Em seguida, e o fato é recente, a carga que o Delegado brasileiro à Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, fez para que o Delegado hondurenho fosse afastado da reunião. Agora, a porta da Embaixada que se abre — oficialmente para surpresa de Brasília.

 

     Segundo, o dia da operação.

 

     Zelaya poderia ter tocado a campainha da Embaixada a qualquer momento desde que foi expulso de Tegucigalpa. Por que o fez no dia 21 de setembro? Porque, no dia 22, Lula falará na ONU, abrindo a Assembléia Geral. Porque, no dia 21, praticamente todo o mundo estava com as atenções voltadas para Nova York, esperando a fala de Obama, dia 23. Como disse o correspondente do Jornal Nacional na edição de 21, a atenção voltou-se para Honduras. O que foi planejado deu excelente resultado − tal qual na batalha da França.

 

     Assim como na França em 1940, a manobra militar conquistou Paris, essa manobra, agora, a dos Três Cavaleiros, permitiu que o Brasil do Presidente Lula assumisse a liderança da América dita Latina, tal qual o Chefe do Governo brasileiro sempre quis, nunca escondendo sua pretensão. Mais do que Paris, a liderança realizou seu Dunquerque: os Estados Unidos saem de cena e o Brasil, que já tem uma posição no Haiti, passa a ser agora interlocutor válido para discutir problemas na América Central. Ultrapassado, o Coronel Chávez não deve ter tido sono tranqüilo, de 21 para 22, se conseguiu dormir. A menos que, como pensam e dizem os que gostam de ter o Foro de São Paulo como inimigo público número 1 da cristandade, digam que tudo foi montado por esta entidade subversiva.

 

     Falei em Plano Mannstein porque o jovem General contrariou todas as expectativas e ensinamentos do Estado-Maior alemão ao propor que a ofensiva se desse por terreno suposto intransitável pelos franceses. Os Três Cavaleiros brasileiros devem ter tido a assessoria de um grande advogado, especialista em Direito Internacional e outras coisas mais: Zelaya não entrou na Embaixada brasileira como refugiado político, mas como hóspede. Os franceses tirariam o chapéu a essa sutileza que cria situação extremamente embaraçosa para o atual Governo hondurenho e não só para ele —este é um fato único na história desta América tão sofrida.

 

     Fosse Zelaya refugiado político à busca de asilo, amparado por convenção interamericana, criaria situação semelhante à que Haya de la Torre deu origem ao refugiar-se, em 1949, na Embaixada da Colômbia em Lima. Era de fato refugiado político, mas o Governo peruano o tinha na conta de criminoso comum e não lhe concedeu o salvo-conduto de praxe. O pleito durou cinco anos, e só se resolveu após decisão da Corte Internacional de Justiça. Refiro-me ao caso Haya de la Torre, porque o Governo hondurenho tem Zelaya na conta de criminoso e acusa-o de tentar violar a Constituição, estando sujeito a processo criminal. Hóspede, Zelaya não está a amparado por convenção alguma − exceto o Tratado que garante a extraterritorialidade da Embaixada brasileira, nela podendo permanecer o tempo que desejar. Amorim tem perfeita consciência do quid pro quo, tanto que fez questão de deixar claro que o importante, entre outras coisas, era a segurança da Embaixada.

 

     Creio, sinceramente, que o Coronel Chávez nada tem a ver com o que foi planejado em Brasília. Mesmo que tenha, o que pouco importa, dada a unanimidade em favor de Zelaya, o fato é que o Brasil de Lula, a partir deste dia 21 de setembro, é o líder. Foi o Brasil dos Três Cavaleiros do Apocalipse diplomático que criou as condições para que o Governo hondurenho ficasse em xeque-esperam-que-mate! Foi o Brasil dos Três Cavaleiros que deu os passos para que não haja mais quem pretenda impedir, usando métodos constitucionais, que a Ordem prevista na Constituição seja violada. Foi o Brasil desses Três Cavaleiros valentes que afastou os Estados Unidos da América Ibérica (talvez para gozo de Obama) e agora espera, tranqüilo e contente, que o Governo hondurenho abandone sua atitude ‘quixotesca’ de, em defesa da Soberania, desafiar a OEA, a UE, a ONU e quem mais vier.

 

     Observação necessária: sabemos todos que os Cavaleiros do Apocalipse são quatro… Resta-nos, pois, aguardar a chegada do Quarto Cavaleiro.

 

 

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     (*) Sipaio – soldado natural da Índia, a serviço dos ingleses.

 

    

 

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