Um Estado sem poder é um Estado submisso ao poder de outros. O prestígio auxilia a destravar o caminho para o poder, ao mesmo tempo em que a busca de uma posição de hegemon confere prestígio.
Triste é reconhecer que a idéia que se fez do Estado nos círculos intelectuais brasileiros com influência política contribuiu e contribui ainda hoje para diminuir, se não destruir, qualquer iniciativa do Estado em que ele apareça como sujeito ativo e, principalmente, altivo. A busca pelo poder do Brasil é, assim, uma jornada em que o prestígio já não mais é um ponto de partida. E não apenas o prestígio deixou de ser ponto de partida porque já o perdemos, como também até mesmo um órgão dos meios de comunicação internacional, a revista Economist – refletindo a opinião dos que pensam política internacional em termos de poder nacional e com base nos fatos, não em frases que exaltam as utopias -, desmoralizou internacionalmente a empáfia brasileira por completo.
A pequena reação à assinatura do TNP e o Acordo internacional sobre mísseis já demonstrava aos que poderiam estar preocupados com o crescimento do Brasil como potência que essa preocupação não tinha qualquer razão de ser. E não tinha pelo simples fato de que a idéia de Estado se alterara internamente e o novo grupo dirigente estava mais preocupado com o juízo dos intelectuais engajados na construção de uma idílica nova ordem internacional do que com a afirmação do poder nacional.
O Brasil não perdeu potencial, mas perdeu meios de se impor após um processo político ilusoriamente “democratizante” que não só levou à redução do papel das FFAA no Estado, como desvirtuou o papel da Diplomacia, que cedeu a cuidar preferencialmente de assuntos comerciais. O Mercado passava a ser mais importante que o Estado. Abrindo-se o Mercado sem qualquer cuidado, foi aberto o caminho da desindustrialização. Nem Estado nem Mercado foram levados a sério. Porque a nova política não era séria.
A busca por poder deve apoiar-se em uma idéia firme de Estado. Também na vontade de afirmá-lo como ideal a ser atingido. E na recusa consciente e pública a que seja ele tratado como um Estado sipaio ou sendo com isso confundido para chefiar missões de paz.
Apenas um Estado economicamente forte poderá aspirar a uma posição capaz de influenciar a política de outros Estados. Essa proposição indica que o crescimento econômico deverá ser preocupação constante de sucessivos governos. O grupo que no Estado brasileiro se dispuser a conduzir o processo de transição da situação do Brasil como um país sem prestígio à de um País com poder não poderá deixar de ter essa idéia como guia. A crise em que o Brasil se debate não mais poderá se repetir, sob pena de o Estado brasileiro perder as condições que lhe permitiriam postular a posição de hegemon. Em outros termos, o desenvolvimento econômico sustentável é a condição para que se possa iniciar a longa e penosa caminhada do prestígio ao poder.
A transição deverá dar-se de maneira sensível no plano interno e no das relações exteriores. É uma operação complexa com várias fases, muitas focando os vizinhos da América do Sul como objeto da ação e outras o Brasil propriamente dito.
Essa passagem significará uma ampliação do poder do Estado brasileiro na sua relação com os vizinhos, além da afirmação de um objetivo que poderá facilmente ser entendido como busca de um status de hegemon no quadro das relações internacionais na América como um todo. A ação do Itamaraty será essencial para combater e desmistificar campanhas contra o Brasil sob pretexto de que o aumento no poder nacional é a emergência do imperialismo ou um retorno aos tempos em que se fazia propaganda contra um suposto sub-imperalismo brasileiro a serviço do imperialismo norte-americano.
Não será difícil ao MREx demonstrar o absurdo da proposição atuando junto às Universidades e a Mídia nos países sul-americanos, embora a ideologia que permitiu a idéia do sub-imperialismo tenha sido forte o suficiente para perturbar as relações do Brasil com seus vizinhos, já prejudicadas pelo fato de que o Presidente Nixon, ao saudar o Presidente Médici, tivesse dito que o Brasil tinha a hegemonia na América Latina.
Não devemos nos esquecer, em hipótese alguma, de que a passagem de prestígio a poder exigirá resolver os problemas ideológicos que impedem a afirmação do Estado brasileiro, internamente, como dirigente do processo de transformação e, nas relações exteriores, como um candidato a hegemon, disputando tal posição com os EUA e/ou qualquer outro Estado que possa ter condições de oferecer uma saída aos diferentes problemas de, pelo menos, a América do Sul.
Isso significa que o MREx terá um papel importante ao longo de todo o processo e que será necessário definir um órgão do governo para exercer a um tempo as funções controle das fronteiras e orientação do quase certo tumulto social que poderia suceder a um aumento descontrolado da imigração.
Esse órgão poderia ser o Conselho de Segurança Nacional – se a cega hostilidade às FFAA não o tivesse substituído por um inócuo Conselho da República e um ineficiente Ministério da Defesa. Ele não deve desempenhar o papel que o Politiburo da Comissão Central do PC da URSS teve ao controlar a Internacional, cuja ação era voltada a defender a política interna no tempo de Stálin. Sua função seria defender o Estado.
O temor contra a presença ostensiva das FFAA como defensoras do interesse nacional não é o de que se retroceda no campo das ditas conquistas democráticas, mas sim que o País se afirme internacionalmente como um polo de poder e não apenas como uma grande fábrica à maneira chinesa, um grande mercado consumidor ou uma chave para fazer negócios de empreiteiras na periferia do sistema.
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(publicado no dia 14 de janeiro em “O Estado de S.Paulo”)
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