OESP
O menino que estuda na escola rural de Santa Clara, nos contrafortes do Japi, tem consciência do meio ambiente. Tanto tem, que escreveu mais ou menos isto: “destruíram as árvores perto de casa e plantei uma. Triste, ela pediu que cuidasse dela. Fui ao delegado que cuida do meio ambiente e pedi proteção para a árvore. Dias depois, ela tinha sido cortada. A árvore é importante para o Brasil – por isso peguei mais de mil sementes e saí plantando árvores pelo país afora”.
Há outro tipo de consciência da relação com a Natureza: em primeiro lugar, a que vem da cobiça, do amor pelo dinheiro; depois, a que decorre do antagonismo contra o meio ambiente, que se expressa na máquina de esteira que vem e tudo destrói. As leis que protegem o que resta de floresta no Estado de São Paulo – estas, a gente esquece. A lei que rege o parcelamento do solo – esta, então, é simplesmente ignorada. Não apenas por quem parcela, mas também por muitos cartórios, que lavram escritura de compra e venda de “parte ideal” sem exigir a documentação comprobatória de que se trata realmente de uma fração ideal de terreno e não de uma burla para “regularizar” um negócio. É o “privado” impondo sua vontade ao “público”: cria-se o fato consumado da escritura e faz-se a terraplanagem. Depois, alguém dará um “jeito”.
O menino intui o que está acontecendo com a árvore. Ele ouviu dizer do outro problema – mas esse é legal, complexo, está longe de sua compreensão. É a ação civil pública que o promotor de Justiça José Roberto Proença impetrou, em Jundiaí, para que a Justiça mande parar a construção de casas, mande restabelecer o meio ambiente tal como era e responsabilize de fato quem violou as leis. É uma ação que tem precedentes no meio urbano, mas que no meio rural pode ser pioneira. O Ministério Público é, hoje, o único órgão capaz de, com legitimidade legal, atender ao apelo que pequenas organizações não-governamentais, sem força política, fazem para que se cumpra a lei e, atendendo ao apelo, abrir inquérito civil público para apurar como se fizeram as coisas. E concluído o inquérito, pedir a abertura da ação civil pública. O inquérito a que me refiro constatou que o que foi registrado como “parte ideal” na verdade eram lotes, caracterizados por metragem diferente, variando de 1 mil M2 a mais de 6 mil M2, e por localização num mapa do loteamento que não fora autorizado pela Prefeitura, mesmo porque não seria possível fazê-lo em zona rural.
A ação é o único meio de lembrar a todos que a lei ainda existe. Digo “ainda”, porque a pouco e pouco, porque os órgãos que devem fiscalizar o cumprimento da lei estão desaparelhados, diminui o número dos que lutam contra os que vêem na árvore o seu inimigo, e caiu o número dos que querem que o meio ambiente, não o abstrato, mas o real, seja preservado. Não para eles, mas para seus netos e os netos dos que o destroem. Eles travam uma luta desigual porque a cobiça constrói laços de solidariedade muitas vezes indestrutíveis, que vão do proprietário a quem o acoberta, passando por mil atalhos. A destruição do meio ambiente, a transformação do meio rural em zonas urbanas só é possível porque existe essa teia de solidariedades – como se fosse uma Cosa Nostra. Lutar contra isso, mesmo com os poderes e as defesas de que dispõe o Ministério Público, não é tarefa fácil. Que o diga o governador Covas que só agora pode respirar um pouco sossegado diante dos precatórios de R$ 50 bilhões. É uma luta tanto mais difícil quanto, apesar da preocupação com a poluição na capital, os órgãos da Secretaria do Meio Ambiente, como o Condephaat, que tombou a Serra do Japi, não têm os recursos indispensáveis para fiscalizar o decreto do governo Franco Montoro ou agir para impedir que o tombamento seja letra morta porque a Cosa Nostra do Meio Ambiente acaba sempre por dar um “jeito”.
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