O TRIUNFO DO “PRINCÍPIO DO CHEFE”

 OESP  

 

     O Ato Institucional nº 17 consagrou o “princípio do chefe”: não discutir, não duvidar, não divergir. Reafirmou o ethos burocrático e a hierarquia nas Forças Armadas. Concentrou nos Ministros militares todo o poder. O “partido fardado”, depois da edição do Ato Institucional nº 17, perfilou-se diante da autoridade superior.  

 

    Que dizia este AI-17 a que empresto tanta importância? Simplesmente – partindo do princípio de que se tornava “imperiosa a adoção de medidas que preservassem a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e a harmonia política e social do Brasil” – determinava: “Art. 1º – O Presidente da República poderá transferir para a reserva, por período determinado, os militares que hajam atentado, ou venham a atentar, comprovadamente, contra a coesão das Forças Armadas, divorciando-se, por motivos de caráter conjuntural ou objetivos políticos de ordem pessoal ou de grupo, dos princípios basilares precípuos de sua destinação constitucional” – sua, das Forças Armadas, bem entendido. O “venham a atentar” introduziu no direito positivo brasileiro uma figura sui-generis: o promotor público, no caso o Presidente da República, deveria “comprovar” que o militar viria a atentar contra os princípios basilares das Forças Armadas. O secretário-geral, como diria Victor Serge, não seria capaz de tanta sutileza no seu trato com a oposição de esquerda, que embora nada pudesse fazer, era responsável pelo que poderia ter feito, se pudesse.  

 

    O AI-17 foi uma das peças com que a Junta Militar triturou a oposição militar – e por que não dizer, também muitos civis – que esperava que Albuquerque mobilizasse as massas em torno de um projeto nacionalista. Daí a referência, no preâmbulo do Ato, à necessidade de preservar “o desenvolvimento econômico”. Os Ministros que compunham a Junta não se bastaram com o AI-17. Foram mais longe e por outro instrumento legal – não me recordo se decreto-lei, decreto ou Ato Complementar – outorgaram aos Ministros militares (isto é, a eles próprios) a prerrogativa de, todos os anos, colocar um número determinado de oficiais na reserva a título de renovação dos quadros. O Ministro da Aeronáutica foi o primeiro a usar dessa prerrogativa, que reforçou consideravelmente a partir daí o poder do Ministro. Por ato administrativo, passou à reserva uma meia dúzia de brigadeiros, entre eles Bournier Os afastados bateram às portas da Justiça, mas nada conseguiram. A partir daí, o “princípio do chefe” imperou. Os membros do “partido fardado” podiam ser transferidos para a reserva a qualquer momento – desde que o Ministro se dispusesse a usar os poderes que o AI-17 e a cota expulsória lhe conferiam.  

 

    O “partido fardado” só pôde existir ao longo da história do Brasil apoiado em segmentos da sociedade – e esses segmentos civis começaram a abandoná-lo quando Castelo Branco promulgou o Ato Institucional nº 2 e dele se afastaram, em 1968, quando Costa e Silva editou o AI-5, e deixaram-no no sereno quando a Junta Militar depôs Pedro Aleixo. O que dá um ar de tragédia a esta história, é que o “partido fardado”, que se constituiu enquanto estado de espírito e organização informal (perdoem-me a expressão) para impor à sociedade a sua visão militar do que devesse ser o Brasil, foi destruído pelos Presidentes e Ministros militares.

 

 

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