OS LIMITES NO DIREITO

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     Um olhar atento ao passado nos revela que, mesmo em clima de extrema tensão política e rivalidade muitas vezes pessoal, é possível encontrar no Direito soluções políticas para as crises.

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     Rumorosa seqüência de delações premiadas integram os autos da Operação Lava Jato e a “classe política” vem sendo desmoralizada. Declarações que poderão ser calúnias trazem consigo o perigo de efeito não considerado pelos que com elas estão satisfeitos – a morte do Direito.

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     Há muitos anos, artigos de um jornalista denunciaram o ex-governador Adhemar de Barros pela prática de crimes contra o erário. Em meio à atoarda que se levantou, o MP soube impor o Direito à paixão política. Solicitou à Assembléia Legislativa autorização para processar o ex-governador. Obtida esta autorização, instaurou dois processos para apurar a procedência da acusação, respeitando todos os procedimentos formais então exigidos pela legislação, que foram a julgamento no Tribunal de Justiça estadual. O resultado da ação satisfez os adversários de Adhemar sem que o Direito fosse ofendido. Num dos processos ele foi condenado moralmente como improbus administrator, noutro foi condenado a cinco anos de prisão.

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     Refugiado no exterior, Adhemar recorreu ao Supremo Tribunal Federal que decidiu pela anulação dos processos, que apresentavam erro formal. Em 1962, seria eleito novamente Governador de São Paulo.

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     Convém ainda não nos esquecer de que, apesar das críticas que se lhe fizeram, o Governo do Mal. Castelo Branco pautou sua ação repressiva, quando houve, pelo respeito à forma da lei. Foi com o Ato 5 que se criaram as condições para que o intérprete da lei pudesse agir sem restrições.

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     As delações premiadas na Operação Lava Jato, a nosso ver, nada mais são que notícia de que houve crime que merece apuração judicial – para inocentar ou condenar os que foram apontados. Há na opinião pública, porém, uma predisposição a tomar a delação premiada não como a notícia de um crime, mas sim como sua prova provada. Essa atitude de espírito pode contribuir, se já de fato não contribuiu, a que a opinião pública reclamasse por seus intérpretes na Imprensa falada, ouvida, escrita e lida a prisão de empresários e políticos do primeiro escalão da República e aplaudisse a decretação da prisão preventiva de dois ou três empresários de alto coturno.

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     Esquecido o Direito, tudo se passa como se não houvesse uma ordem jurídica a ser respeitada na sua forma. É preciso nos lembrar de que, se não se respeita, antes que o espírito, a forma da lei, estará aberto um caminho para atitudes dos diferentes poderes da República que nos conduzirão fatal e inexoravelmente para condições sem retorno.

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     Se não se reclama o respeito à forma e ao espírito da lei – mesmo quando haja fortes indícios de que eles foram antes violados – estará aberto o caminho para a servidão, que será imposta por grupos políticos que se dizem defensores da democracia, mas que, na realidade, pelo menoscabo com que tratam as violações do Direito, apenas contribuem para o fim do regime democrático – que nada mais é que um sistema político em que é a lei que definirá quais são as condições sob as quais se concede aos cidadãos de boa-fé o direito de pensar diferentemente dos que governam.

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     Vem da Revolução francesa durante o Terror a idéia de que a liberdade é a liberdade daquele que pensa diferente. Foi um desvio do pensamento social democrata que, no século XX, completou: mas não há liberdade para os inimigos da liberdade. O Direito é o que estabelece e garante os limites entre as duas posições de espírito, sujeito, porém, à avaliação que o Juiz possa fazer do que separa uma da outra: aquele que pensa de modo diferente é um cidadão protegido pela lei ou um inimigo da liberdade?

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   Em uma situação como a que atravessamos, quando em nome da moralidade administrativa corre-se o risco de menosprezar o Direito, enquanto o caso Petrobras não tiver sido concluído e passado a limpo, será sempre possível argumentar que houve um excesso de rigor na avaliação dos inquéritos policiais e como que uma fé excessiva no conteúdo da delação cujo autor pretende que seja premiada.

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     As sentenças já proferidas e sujeitas, como toda sentença monocrática, à revisão pelos tribunais, indicariam que os fatos foram apurados com o rigor necessário. Mas, mesmo que o tenham sido, a opinião pública poderá sempre se perguntar se o rigor das sentenças não foi determinado por uma forte pressão, não quantificável, difícil de qualificar, sobre um Juiz isolado em Curitiba.

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     Bem vistas as coisas, o caso “Petrobras” só será encerrado na Justiça quando e se o STF for solicitado a se pronunciar sobre as sentenças que sejam proferidas. Esse possível retardo numa decisão final poderá mais ainda perturbar o sistema político já abalado pelas denúncias e sua repercussão no Congresso e na Imprensa. Os políticos – para não dizer os grandes empresários – que vierem a ser eventualmente condenados terão o campo livre para discutir e apontar erros na sentença que os condenou em 1ª instância. Ao longo desse processo de crítica, que permitirá ataques menores ou maiores, mais ou menos bem fundados contra a Presidente da República, será possível ainda verificar até que ponto as Instituições ditas criadas pela Constituição de 88 foram interiorizadas pela Oposição, tendo conquistado parte da opinião pública.

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     Se na crítica as sentenças condenatórias e ao governo houver um mínimo de real espírito público, será possível vencer esta crise sem afrontar as Instituições, embora o Direito possa ter sido aqui e ali violado pelos que pretendem ou pretenderam fazer do escândalo da Petrobrás um incêndio de uma nova Roma para esconder ou disfarçar o tudo que se vem fazendo de errado contra a República.

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 (publicado nesta data em “O Estado de S.Paulo”)

 

  

 

 

  

 

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