OESP
O leitor poderia associar três informações para compor o quadro do mundo cambiante em que vive: 1ª – os bispos da América, reunidos no Sínodo em Roma, pedirão ao papa João Paulo II que faça uma encíclica sobre a globalização. Segundo D. Luis Morales Reyes, o mundo corre o risco de ser dominado por um “liberalismo econômico selvagem”; por isso, proporá que Sua Santidade insista na “ética da globalização fundada na solidariedade”; 2ª – a Conferência de Cúpula Européia que discute o problema do desemprego chegou à conclusão de que na Europa também há analfabetos – de fato ou funcionais; 3ª – Peter Drucker, em artigo reproduzido em Clarín, aponta as mudanças que poderão ocorrer no mundo por causa do conhecimento, que não é privilégio dos países desenvolvidos.
Quando os bispos pedem ao papa que condene o “liberalismo econômico selvagem” e conclame os povos a pautarem suas condutas por uma “ética da globalização fundada na solidariedade”, esquecem que não há documento papal, desde Leão XIII pelo menos, que não condene o “capitalismo selvagem” e concite à prática de uma ética da solidariedade. Da mesma maneira que se esquecem de que a pregação papal tem caído no vazio.Talvez porque existe, segundo D. Eugênio Salles, uma “nociva negligência dos pastores” com relação aos fiéis. Se os pastores não cuidam de dizer a seus rebanhos que a solidariedade se deve impor, como será possível clamar por ela em escala global? Há quem associe, sem dizer a palavra maldita, o “liberalismo econômico selvagem” ao imperialismo, que hoje se revestiria de sua forma exclusivamente financeira. Só podem ser imperialistas os países desenvolvidos. Ora, no seu artigo, Drucker diz que nos próximos 20 anos “não haverá uma só potência econômica mundial dominante, porque nenhum país desenvolvido tem uma base demográfica para sustentar esse papel”. Alvíssaras! Redescobriu-se a importância da demografia. Olhando para o mundo de hoje, qual a paisagem que ele vislumbra? “O mundo desenvolvido – afirma sem hesitação – está em vias de cometer um suicídio coletivo” pela simples e boa razão de que nos Estados Unidos o número de nascimentos mal dá para manter a população atual e, fato mais importante, a taxa de natalidade da população nativa (ele quer dizer, com certeza, os que chegaram e se fixaram até o século 19) está muito abaixo da taxa geral de reprodução. O prognóstico oficial da União Européia aponta para a diminuição da população italiana, e estudos mostram que, no decorrer do século 21, a população japonesa diminuirá 56%.
A queda da natalidade tem suas conseqüências sobre a constituição da família e a socialização dos poucos filhos que enxergam a luz refratada pelos valores do hedonismo – confiteor, que são meus, também. Esses valores, que não são do “liberalismo econômico selvagem”, mas têm raízes mais profundas, eliminam a solidariedade. Por outro lado, o suicídio coletivo dos países desenvolvidos é ainda mais provável, segundo Drucker, porque o conhecimento não é mais monopólio dos países economicamente hegemônicos. Ele diz a verdade que muitos não querem ver: “As pessoas com formação nos países emergentes são tão capazes quanto seus homólogos no mundo desenvolvido”. Juntemos todas essas informações dispersas. Que resulta delas? Que a longo prazo o hedonismo produzirá os mesmos efeitos – reais e não virtuais – da bomba atômica. Que é falta de capacidade de formular uma teoria explicativa da nova realidade, responsabilizar a globalização por todos os males, quando as populações tendem a diminuir, o que aumentará a responsabilidade do Estado – sem recursos – de cuidar dos idosos. Ou alguém pensa que Calvino vai ressuscitar e dizer às criancinhas que devem economizar tostões para ter uma velhice tranquila? Ou que elas e os adolescentes e os adultos vão ouvi-lo, quando os pastores são nocivamente negligentes?
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