O BRASIL E A SEGUNDA GUERRA

Abertura do V Encontro de Estudos da Realidade Brasileira promovido pelo POLITHICULT/PUC-SP de 10 a 12 de Setembro de 2012 – “O BRASIL E A SEGUNDA GUERRA: 70 ANOS DEPOIS”

 

    

 

 

     Tomo de Ricardo Seitenfus o que poderia considerar como a epígrafe do que lhes vou dizer:

 

     “A 22 de agosto, o Gabinete se reúne e decide reconhecer a existência de um estado de beligerância com a Alemanha e Itália. Tal tomada de posição havia sido precedida, na véspera, de correspondência expedida pelo Itamaraty a Berlim e a Roma, em que o Brasil declara que, em virtude dos múltiplos ataques sofridos pelos navios mercantes e de passageiros brasileiros, existe ‘uma situação de beligerância, que somos forçados a reconhecer em defesa de nossa dignidade, de nossa soberania e da nossa segurança e a da América’. A 31 de agosto, a beligerância se transforma em estado de guerra entre o Brasil, a Alemanha e a Itália”.

 

     Ele acrescenta: “Nenhuma iniciativa é tomada com relação ao Japão, pois este não agrediu o Brasil, sendo suficiente a ruptura das relações diplomáticas e comerciais. Portanto, a entrada do Brasil no conflito não decorre da solidariedade continental, mas da agressão ao próprio Brasil”.

 

     Esta última frase talvez sirva, em algum momento, de guia para nossas reflexões.

 

     O Professor Antônio Pedro Tota, a cuja generosidade se deve minha presença neste V Encontro de Estudos da Realidade Brasileira, acrescentou, à amizade que o convite revela, o tom autoritário dos velhos, queridos e já esquecidos Professores, traçando o caminho que devo seguir: “A FEB e os problemas políticos”. Como um discípulo atual, permitir-me-ei trilhá-lo ousando, de quando em quando, dele sair por desvios que ora nos levam a paragens não previstas, ora a ele nos trazem de volta, certo de que, se conseguir chegar ao fim da jornada, poderei dizer a mim mesmo que atendi à convocação.

 

     É que não há, a rigor, “problemas políticos”. O que temos no Brasil, em 1942, é um estado de exceção proclamado cinco anos antes com uma Constituição outorgada, que deveria ser submetido a plebiscito para que os brasileiros dissessem se aprovavam ou não o novo Estado que fora construído em novembro de 1937, inspirado naquilo que, em 1946, o General Góes Monteiro, um dos artífices da mudança ocorrida cinco anos antes, chamava, lembrando as raízes do pensamento e da ação que haviam levado ao golpe de Estado de 10 de Novembro, de “castilhismo-borgismo”.

 

     O Estado Novo − como ficou conhecido o novo regime − tinha uma Constituição por muitos chamada de “polaca”, pois se dizia ter sido inspirada na Carta autoritária que fora outorgada na Polônia anos antes. O desvio que tomei leva a pousada obscura, já que, nela adentrando, damos de frente com a Carta de 10 de Novembro, que é, no texto legal, federativa:

 

     “Art. 3º – O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. É mantida a sua atual divisão política e territorial”.

 

     Há mais. No artigo 5º, reconhece-se aos estados da Federação o direito de decidir sobre a extensão de seu território:

 

     “Art. 5º – Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se, ou desmembrar-se para anexar-se a outros, ou formar novos Estados, mediante a aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões, anuais consecutivas, e aprovação do Parlamento Nacional. / Parágrafo único – A resolução do Parlamento poderá ser submetida pelo Presidente da República ao plebiscito das populações interessadas”.

 

     Inova, ou restringe, conforme o ponto de vista, a representação popular:

 

     “Art. 46 – A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos mediante sufrágio indireto.

 

     Art. 47 – São eleitores os Vereadores às Câmaras Municipais e, em cada Município, dez cidadãos eleitos por sufrágio direto no mesmo ato da eleição da Câmara Municipal”.

 

     Mas nega, também, os que sempre disseram ser autoritária. Afinal, no artigo 1º, pode-se ler ainda hoje:

 

     “Art. 1º – O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”.

 

     Um estudioso de Oliveira Viana diria que a Carta de 1937 é mais um exemplo do “idealismo” que sempre guiou a elite letrada que escreveu as Constituições republicanas de 1891 e 1934. Se assim é, caberia tentar descobrir qual a floresta morta em que se escondeu a folha morta, isto é, o Estado de exceção − para nos lembrar de Chesterton e do padre Brown. E quando a descobrirmos, será possível entender porque apenas em 1945, três anos e alguns meses depois da declaração de guerra à Alemanha e à Itália (totalitárias), o Estado Novo foi extinto pela ação dos mesmos Generais que haviam construído seus alicerces.

 

     A Carta de 1937 não poderá ser chamada de “idealista” no sentido que Oliveira Viana atribuía à palavra pela simples e boa razão de que nela se afirma, desde o início, a que objetivos persegue − um estudioso diria seu thelos. Ao contrário das Constituições anteriores (e também das de 1946, 1967 e 1988), a de 1937 diz ao que veio.

 

     É como se fosse necessário proclamar que o novo Brasil que se pretendia construir tinha sua Declaração de Independência. Por isso, ao invés de dizer que se promulgava sob a proteção de Deus, explicita o porquê da reforma imposta:

 

     “O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,

 

     “ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

 

     “ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

 

     “ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;

 

     “Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;

 

     “Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais”.

 

     Quando alguém se debruça sobre os fatos que levaram ao 10 de Novembro de 1937 não se deverá deixar levar apenas pelo claro caráter anticomunista do preâmbulo da Carta e da ação repressiva que se veio processando desde 1935. Embora a repressão antiKomintern fosse um fato, é preciso atentar para o quadro geral que se vem formando não apenas desde o 27 de Novembro de 1935, quando há a tentativa de levante no 3º RI na Praia Vermelha.

 

     A pousada a que chegamos pelo desvio assinalado acima terá um pouco de luz se atentarmos para 1930 e para o espírito com que se deu a revolução daquele ano. Não será demais dizer que a Revolução de 1930 só desvendará sua verdadeira face com o golpe de Estado de 1937, empresa que só poderá ser realizada se conseguirmos deslindar o verdadeiro caráter do castilhismo-borgismo e se formos capazes de penetrar fundo no espírito dessa figura estranha – que foi o condestável do Estado Novo e que conduziu à sua derrubada – que foi o General Pedro Aurélio de Góes Monteiro.

 

     O castilhismo sempre foi um projeto de Estado não liberal. E nele, e em seu produto, que foi o borgismo, formou-se Vargas. Os republicanos de 1891 foram capazes de perceber o risco que as idéias de Júlio de Castilhos representavam para a República que nascera de um golpe de Estado que favorecera os localismos, instituindo a Federação. Daí sua tentativa de fazer que o Supremo Tribunal Federal decretasse a inconstitucionalidade da Constituição que Castilhos outorgara ao Rio Grande do Sul, tentativa que malogrou quando a Suprema Corte, atendo-se ao idealismo dos princípios, reconheceu que a obra de Castilhos atendia aos princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal, que reconhecia a divisão de poderes. Decisão formalista, que não atentava para o fato de que, no Rio Grande do Sul castilhista, era o Executivo que tinha, de fato, o Poder, já que a Assembléia Legislativa só poderia dizer sim ou não ao projeto de orçamento e à prestação de contas anual.

 

     Por que dizemos que 1930 só se realiza em 1937? Porque, desde a vitória, não foi uma revolução liberal-democrática. Os idealistas que a estudam, pensando no ”tenentismo” e suas pretendidas raízes democráticas de classe média, esquecem-se de assinalar que, desde o início, apresentou-se como uma ditadura − e assim sempre foi chamada pelos que a Vargas se opunham livremente. Diria mais. Fixados na idéia do “democratismo” (ainda que a meias) do “tenentismo”, esses idealistas não atentam para a figura do Chefe militar da revolução, o Tenente-Coronel Góes Monteiro, que aceita o Comando que lhe é oferecido por Vargas porque deseja transformar o Brasil. E dão pouca importância à sua famosa frase para caracterizar o sistema político paulista − ”a camorra de cima e a camorra de baixo” − ou a seu escrito de 1931 em que traça a função política do Exército, rejeitando a idéia de que se possa ter política no Exército.

 

     É preciso ver como se comportam os grupos que têm poder depois de 1930. Nada melhor do que consultar os documentos sobre a preparação da Constituinte de 1933. Por eles, vê-se que o poder revolucionário demonstrava ter receio de que São Paulo, pela sua representação no Congresso, frustrasse a revolução; e que o General Góes Monteiro rejeitava a idéia de que se introduzisse um novo tipo de representação política depois de aprovada a nova Carta − idéia defendida pelos que cercavam Vargas: a representação classista. Ele cedeu diante do argumento de que a representação classista compensaria o poder de São Paulo no futuro Congresso. Tendo ele cedido, tudo corre tranqüilamente e o corporativismo, de que se acusa a Carta de 1937, introduz-se na Constituição democrática de 1934 sem que os constituintes paulistas se dêem conta do que aprovaram.

 

     É a inspiração, a ação e o comando dos homens que, no Governo, pensam que forma deve ter o Estado, que vão explicar o golpe de 1937. Sem dúvida, era possível (e politicamente útil) falar no perigo comunista: a lembrança de 1935 ainda era viva e, sobretudo, a Guerra Civil na Espanha trazia notícias que faziam tremer os defensores da Ordem. Hoje, vendo as coisas, sine ira et studio, ousaríamos dizer que o comunismo foi um pretexto. As idéias antiliberais vinham sendo cultivadas nos círculos chegados ao Governo desde muito antes − e a Carta de 1937 apenas lhes deu forma.

 

     É preciso, também, dirigir a atenção para três figuras: Vargas, Oliveira Viana e Góes. Eles têm, cada um a seu modo, uma visão de Estado diversa daquela que os liberais paulistas reunidos no Partido Democrático são capazes de formular. O primeiro, castilhista, quer um Estado em que o Executivo é de fato quem detém o Poder. O intelectual deseja construir um Estado em que as classes sociais estão organizadas, única maneira de os cidadãos terem consciência de seus direitos civis. O caminho para isso é a criação dos sindicatos de Estado. O militar quer manter o Exército autônomo diante do Governo, e por isso se opõe à representação classista: a Grande Corporação a que pertence não pode sofrer restrições pela ação das corporações civis. Nem mesmo pela ação do Governo, como diz em famoso voto em reunião de Generais em 1936, examinando as reformas constitucionais que davam poder ao Governo para afastar militares comprometidos com as idéias que haviam levado à Intentona. O Exército, disse Góes, não é uma milícia e a ele, apenas ele e não ao Governo, cabe decidir sobre suas questões internas. E, nesse voto, ele já deixava claro que era preciso uma transformação geral das instituições se não se quisesse chegar ao caos.

 

     Mais tarde, em 1946, já sem responsabilidades políticas, Góes deixa claro qual o pensamento que, a seu ver, inspirara 1930. “Diz V.Exa. – escreve ele a Sobral Pinto – que nos cabia o dever de melhorar as instituições vigentes em 1930 e não subvertê-las ou substituí-las. O pensamento revolucionário, tentando dar ao movimento de 1930 uma densidade maior, transformando-o numa revolução, era precisamente contrário a essa tese que agora volta à baila. E volta porque as desgraças passadas se recordam com saudade; porque o ambiente internacional mudou, e porque a Revolução falhou na conquista da maioria dos objetivos visados.” E colocava a pergunta dramática e pungente: “Mas onde haveríamos de achar os homens para melhorar as instituições representativas? Não estavam mortos os melhores apóstolos do regime?“.

 

     Lê-se em seguida a confissão da derrota: “Eu reclamava poder, ordem, disciplina e ardor para, em dez anos pelo menos, como recorda V.Exa., preparar a nova elite e poder modificar as condições de ignorância e miséria das massas, responsáveis pelo aviltamento da prática constitucional.” E admitia: “É certo, porém, que ordenar o Brasil, dar saúde a seus milhões de doentes, vítimas de impaludismo, sífilis, amarelão, nutrição minguada e errônea, deshigiene, ignorância e apatia não é tarefa de somenos“. Para realizá-la, Góes havia reclamado disciplina. E invocava o que dizia ser a lição de Renan, de Nietsche, de Sorel, de Péguy, de Engels e Marx, de Darwin, Hegel, Feuerbach, Haeckel, Carlyle, Stuart Mill, William James, a ditadura soviética: “Todas [essas lições] preconizam o fortalecimento da defesa nacional e recomendam a disciplina, que sempre preguei e que V.Exa. tanto parece temer, como se os brasileiros fossem tão hostis à desordem que pudessem suportá-la.”

 

     É esse, reiteramos, o clima mental que inspirou o Estado Novo – que, no dizer apaixonado de Góes, malogrou em seus objetivos maiores. Mas foi, a nova ordem constitucional, o triunfo do castilhismo e do corporativismo de Estado, vigente até hoje.

 

     Para o bom entendimento do que se passou naqueles dias, devemos nos lembrar de que o Congresso foi fechado pela Polícia Militar do Distrito Federal e não pelo Exército, e que foi a Polícia Especial que se encarregou da repressão ao longo dos anos. A comunicação do General Eurico Gaspar Dutra, Ministro, ao Estado Maior do Exército, reunido para apreciar a situação logo depois do golpe de Estado, permite supor que havia no Exército alguma resistência à idéia de mudar a Constituição e impedir as eleições a serem realizadas em 1938. Na reunião, Dutra simplesmente comunicou que o Brasil tinha uma nova Constituição que especialistas consideravam boa e que seria submetida a plebiscito em 1942. Houve quem, depois, afirmasse que o Coronel Eduardo Gomes (do Exército, pois ainda não havia Força Aérea autônoma) opôs-se ao golpe (e por isso mesmo seria, já Brigadeiro, considerado o mais bem qualificado para disputar as eleições de 1945 pela UDN). Góes, em seu depoimento-memória dá versão diferente da atitude de Eduardo Gomes: teria apenas manifestado sua estranheza e seu protesto por não ter sido comunicado do que iria acontecer. O importante a assinalar é que não houve resistência ao que se passou calmamente em todo o País. Góes relata ter almoçado tranqüilamente com um Deputado… E Vargas, depois de falar à Nação, foi jantar com o Embaixador da Argentina… Apesar disso, a repressão fez-se sentir imediatamente, atingindo seja comunistas, seja os que haviam formado com a candidatura de Armando de Salles Oliveira.

 

     Ainda está para ser feito um estudo desapaixonado do Governo que se instalou no dia 10 de Novembro de 1937. Nos Estados Unidos, apesar de a Administração continuar mantendo relações diplomáticas e comerciais com o Brasil, a reação foi identificar, logo de início, o novo Governo com o fascismo, quando não com o nazismo. A Imprensa norte-americana da época não hesitava em apontar como prova de que o Brasil tinha um Governo nazista, as simpatias (assim dito) pelo Governo alemão dos Generais Dutra e Góes, respectivamente Ministro da Guerra e Chefe do Estado Maior do Exército, e de Filinto Müller, Chefe de Polícia.

 

     O fato de o Governo brasileiro, bem antes do rompimento de relações diplomáticas com os Estados do Eixo, ter decidido nacionalizar o ensino e proibir as atividades de organizações alemãs e italianas − inclusive de um órgão oficial do Partido Nacional Socialista do Trabalho Alemão − não contribuiu em muito para mudar a posição dos que viam no Brasil um prolongamento do nazi-fascismo. Esquecendo-se, é preciso dizer, que o exemplo do Estado Novo português de Salazar, com certeza, deve ter influenciado os que redigiram a Carta de 1937.

 

     Se a nacionalização e a ação anti-estrangeiro não alteraram a opinião de muitos, a compra de material bélico na Alemanha contribuiu para reforçar o juízo negativo. Pouca importância se deu, na análise dessa operação, ao fato de o Governo brasileiro haver solicitado empréstimo, que lhe foi negado, aos Estados Unidos para reequipar a Força de Terra. Da mesma maneira que nos estudos que se fazem hoje desse período conturbado, não se atenta, a ser precisa a memória do General Ernesto Geisel, para o fato de que se procurou o mercado sueco antes de, levando em consideração a fragilidade das Contas-correntes do Balanço de pagamentos e a penúria de moeda forte, ter-se optado pela Alemanha, que aceitou vender as armas em troca de produtos indispensáveis a seu esforço de guerra, já evidente.

 

     Com certeza, essas reflexões sobre o Estado Novo e seus intelectuais orgânicos (Vargas, Oliveira Viana e Góes Monteiro) serão vistas como mais um desvio. Retomemos, se assim foi, a estrada principal e passemos a considerar as relações do Brasil com aquilo que se chamou, desde o início do século XX, a comunidade latino-americana − para não dizer o pan-americanismo. Antes, porém, cabe ressaltar um pormenor, sempre desconhecido, mas que deveria ser referência para os que estudam a posição do Estado Novo. É o artigo 4º da Constituição de 1937. Ele reza:

 

     “Art. 4º – O território federal compreende os territórios dos Estados e os diretamente administrados pela União, podendo acrescer com novos territórios que a ele venham a incorporar-se por aquisição, conforme as regras do direito internacional.”

 

     A República, desde seus primeiros dias, encarou de maneira diversa daquela do Império as relações com os Estados Unidos. Não falemos de Joaquim Nabuco nem daquilo que se considera ser a rocada do Barão do Rio Branco. Bastará lembrar que, tendo o Governo de Ouro Preto recusado aceitar o convite do Congresso dos Estados Unidos para participar do que seria a I Conferência Interamericana, a República o aceitou e fez-se representar em Washington.

 

     A partir de 1889, o Brasil estará comprometido − ainda que informalmente, como todos os demais países − com o interamericanismo. Não cabe aqui nos estender sobre as várias Conferências interamericanas; bastará dizer que, além da preocupação com a elaboração do Código Bustamante sobre Direito Internacional Privado – que foi aprovado −, cuidou-se, nessas conferências, de consagrar o princípio da não-intervenção. Foi uma longa batalha que só terminou em 1933, quando os Estados Unidos finalmente decidiram aceitá-lo. Registre-se, também, a Convenção de Havana sobre direito de asilo, uma das características do sistema interamericano.

 

     O Brasil nunca se recusou a participar das conferências interamericanas, embora tivesse noção muito clara de que não contava com a total simpatia dos vizinhos, fosse pela lembrança que seus Governos guardavam do Império, fosse porque a Argentina pretendia ser e agia como primus inter pares entre as nações do Sul da América. Há autores brasileiros que, ao estudar a Guerra do Chaco, por exemplo, insistem na tese de que as idéias que acabaram conduzindo ao Acordo que pôs fim ao conflito foram de iniciativa do Itamaraty e que, deixando a Argentina representar o papel de mediador, os louros foram, por conseqüência, deste país. Já no Estado Novo, a rivalidade entre Argentina e Brasil tornou-se evidente, quando o Governo Vargas pretendeu adquirir destróieres norte-americanos e acabou abandonando o assunto para não provocar uma crise com o vizinho.

 

     Examinando-se a política externa do Estado Novo, é possível dizer que o Governo Vargas sempre teve presente as servidões da Geografia, que forçavam, se não a aproximação, pelo menos a discrição no seu relacionamento com os Estados Unidos – que, além de mercado preferencial era a grande potência continental que, depois de 1920, tinha uma Marinha de Guerra equiparada à da Inglaterra e superior à da França e à do Japão. Não atentava apenas à Geografia, porém. Igualmente tinha consciência de que o Governo dos Estados Unidos era aquele que poderia socorrer o Governo brasileiro necessitado de capitais de empréstimo para realizar seus programas de desenvolvimento, entre eles a construção de uma usina siderúrgica.

 

     Os fatos passados, será permitido a qualquer analista enquadrá-los em sua óptica. É uma licença que me permito agora.

 

     Mesmo que Vargas não tivesse consciência das servidões da Geografia, Góes as poderia levar ao Chefe de Estado, apesar de suas simpatias (dele, General) pelo Exército alemão organizado para as campanhas contra a Áustria, em 1866, e a França, em 1870. Por outro lado, Vargas teve sempre presente a necessidade de contar com o apoio financeiro norte-americano − e insisto no financeiro. Explica-se por isso a presença atuante de Oswaldo Aranha no Ministério do Exterior, sempre defendendo uma maior aproximação dos Estados Unidos. Atuante a tal ponto que, para surpresa de muitos, o Brasil romperá relações diplomáticas com o III Reich (depois reatadas e finalmente rompidas em 1942, conduzindo à guerra) − rompimento impossível sem o aprovo de Vargas.

 

     Foi uma política aparentemente bifronte. Na realidade, Vargas serviu-se da Alemanha como elemento de pressão para obter aquilo que desejava dos Estados Unidos. A questão da siderúrgica é elucidativa dessa política: ante a resistência, desde seu projeto, da United Steel em participar da construção da usina, o Brasil conseguiu o acordo da Krupp, fez saber aos Estados Unidos que os alemães iriam construí-la e, assim, levou o Departamento de Estado a forçar a empresa norte-americana a alterar a sua disposição, vendo ser aprovado o empréstimo necessário ao bom andamento do projeto e a solução das dívidas com organizações privadas norte-americanas.

 

     A política externa do Estado Novo é o “caso” típico das boas teorias de relações internacionais: são três atores, dois deles necessitando da boa vontade do terceiro para realizar suas políticas e esse, menor no jogo de poder internacional, podendo usar os antagonismos dos outros dois para realizar seus objetivos.

 

     Quais os objetivos do Brasil? Resolver os problemas colocados pela moratória decretada no início do novo Governo; dar apoio nacional ao programa de industrialização pela construção do que seria, depois, Volta Redonda, e reequipar o Exército. Conseguiu realizar os três − com o auxílio dos Estados Unidos.

 

     Quais os fins perseguidos pelo III Reich? Manter boas relações comerciais com o Brasil tendo em vista sua necessidade de produtos brasileiros para sua indústria bélica; garantir, pela ação do Partido Nacional Socialista no Sul, que o Brasil não se colocasse de vez na órbita norte-americana (e inglesa, por extensão), e realizar, se possível, o sonho da Alemanha Austral acalentado desde o Império. A política de nacionalização do ensino e da vida pública do Estado Novo frustrou os dois últimos, e a guerra, razão do primeiro objetivo, viu-se transformada em realidade, embora o acordo para o fornecimento de armamento do Exército brasileiro em troca de produtos para a indústria bélica tivesse sido interrompido pela ação da Esquadra britânica, que apresou o primeiro carregamento de material bélico.

 

     Os objetivos dos Estados Unidos eram mais geoestratégicos do que econômicos. Autor norte-americano aponta como, a partir de 1938, ante o crescimento do pessoal militar nas Embaixadas alemãs nos países da América do Sul, os Estados Unidos cuidaram de aumentar o número de seus adidos militares nesses países para contrabalançar a influência política dos alemães. No Brasil, havia uma Comissão Militar chefiada por um General, cuja ação é descrita nas memórias de Góes e Dutra. É que o Brasil, do ponto de vista geoestratégico, era o país americano que importava no jogo internacional que o Governo norte-americano acompanhava com redobrada atenção. Mais importante: a cooperação brasileira era importante tendo em vista o Canal do Panamá e a curta (2.500 milhas marítimas, mas ainda assim a menor) distância entre Dakar e a costa nordeste do Brasil. O objetivo maior dos Estados Unidos foi realizado – e, diríamos, graças à Guerra.

 

     Não se entenderá a política norte-americana para o Brasil de 1938 até 1942 se não considerarmos os fatores geoestratégicos. São poucos os estudos feitos a partir dessa perspectiva − que, no entanto, apesar de ser apenas uma perspectiva, é a mais capaz de explicar muito do que aconteceu. Desde 1934, os Estados Maiores norte-americanos (Marinha e Exército) iniciaram a elaboração de planos de defesa do território. Foram os famosos planos Arco-íris, desenvolvidos e atualizados à medida que os acontecimentos evoluíam na Europa.

 

     O bom planejamento de defesa do território exige que, antes de tudo, sejam definidos os Inimigos. Pelo primeiro Arco-íris, os inimigos eram o Japão, no Pacífico, e a Inglaterra, no Atlântico. A Inglaterra, porque travara uma guerra contra os Estados Unidos em 1812 e, sobretudo, porque tinha uma esquadra. Hitler foi escolhido Chanceler da República de Weimar e, como Führer do III Reich, invadiu a Áustria e logo depois dobrou Inglaterra e França em Munique. O Inimigo no Atlântico mudou e passou a ser a Alemanha.

 

     Os que não estão familiarizados com um planejamento militar para a defesa do território nacional farão mofa desse tipo de raciocínio. Dutra e Góes não fizeram! Kennan apontou o quanto um planejamento militar em tempo de paz pode afastar-se da realidade. Ainda que assim seja, esse planejamento sempre se faz. No Arco-íris, previa-se a vitória da Alemanha na Europa e sua avançada para a África, ocupando Dakar. Dali, os alemães teriam meios de chegar a Natal e estabelecer uma base que lhes permitiria, depois, atingir Belém. Da capital do Pará seria fácil chegar ao canal do Panamá. Para evitar que o inimigo chegasse ao Canal, seria preciso estabelecer a primeira linha de defesa do território norte-americano. Ela passava pelo paralelo 10, Sul – o Nordeste brasileiro.

 

     Enquanto os militares norte-americanos faziam seus planos, a Diplomacia trabalhava − reconhecido o princípio da não-intervenção − para conseguir que os Estados do Hemisfério prestassem solidariedade a qualquer deles que sofresse uma agressão vinda de fora do continente. O primeiro passo para tanto deu-se na Conferência de Lima, 1938, quando se proclamou essa necessidade, com ressalvas da Argentina que conseguiu fazer aprovar que, à agressão, deveria seguir-se uma Conferência de Chanceleres para discutir o problema. Em 1940, na reunião de Havana, a solidariedade foi reafirmada, além de adotarem-se algumas decisões políticas. Numa delas − no espírito da Resolução da Não-transferência votada pelo Congresso norte-americano em 1811 –, decidiu-se que as colônias holandesa e francesa na América do Sul e nas Antilhas não poderiam ser transferidas para a Alemanha. Outra estabelecia uma zona marítima exclusiva de 300 km a partir da costa, na qual seriam proibidas ações militares. Note-se que apenas os Estados Unidos tinham Marinha capaz de tornar efetiva a resolução − o que, ainda assim, não impediu que belonaves alemãs agissem à vontade na zona exclusiva. O couraçado de bolso Graf von Spee já tinha provado, em fins de 1939, o que a Alemanha poderia fazer no Atlântico Sul.

 

     Entre Lima e Havana, a Diplomacia norte-americana – as ações agora conduzidas pelo General Chefe da Comissão Militar norte-americana no Rio – solicitou oficialmente permissão para que os Estados Unidos estabelecessem bases militares no Nordeste brasileiro. Dutra, em suas memórias, dá conta do episódio e de sua reação − que acabará sendo a do Governo. Explica que o Exército brasileiro, acima do Espírito Santo, tinha apenas presença. A permissão para que os Estados Unidos instalassem bases no Nordeste levaria, mais dia, menos dia, a que procurassem estabelecer na região um Estado fantoche, como os japoneses tinham feito na Manchúria, criando o Mandchuco. Os Estados Unidos não se conformaram com a negativa e insistiram, chegando a deixar claro que, negada a permissão, a região seria invadida, o plano Pote de Ouro, para tal, já estando pronto.

 

     Entre a pressão do Arco-íris e a Conferência do Rio, em Janeiro de 1942, foi possível uma acomodação, visando conceder à Pan American Airways, por sua subsidiária Panair do Brasil, permissão para realizar vôos sobre o território brasileiro. Permissão que acabou levando a uma pequena crise, quando, a pretexto de que se fazia mister a presença de técnicos para cuidar dos aviões, fuzileiros navais norte-americanos (disfarçados) chegaram a Recife. A enérgica reação do Governo brasileiro permitiu que as coisas voltassem ao normal e que não se enviassem mais militares disfarçados de técnicos civis.

 

     A 7 de Dezembro de 1941 − que o Presidente Franklin D. Roosevelt chamou de “Dia da Infâmia” − o Japão atacou Pearl Harbour. No dia 10 de Dezembro, fato até hoje sem uma explicação convincente, a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos, sendo logo seguida pela Itália. Pelo tratado teuto-ítalo-nipônico, a Alemanha não estava obrigada a declarar guerra, pois obrigava-se a essa ação apenas no caso de um dos seus signatários ter sido atacado.

 

     Invocando a resolução aprovada em Havana, os Estados Unidos convocaram uma Conferência interamericana para discutir a situação e manifestar a solidariedade da América inteira aos Estados Unidos. A Conferência reuniu-se no Rio de Janeiro e coube a Oswaldo Aranha, como Chanceler do país hospedeiro, presidi-la.

 

     Summer Wells, Subsecretário de Estado, veio com a proposta norte-americana: a Conferência deveria determinar aos países membros que rompessem relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha, a Itália e o Japão. A Argentina e o Chile, desde o início, por motivos diferentes, opuseram-se à proposta. Vargas, em seu Diário, registrou a pressão norte-americana − apenas registrou, sem comentários.

 

     A informação de que o Brasil poderia romper relações diplomáticas com os Estados do Eixo levou a uma reação e grave advertência dos Embaixadores alemão, italiano e japonês ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil. Em cartas pessoais, deixaram claro que, ao rompimento das relações diplomáticas, seguir-se-ia a eclosão efetiva da guerra. O documento do Embaixador japonês fala em “flagelo da guerra”. Vargas deu conhecimento dessas veladas ameaças ao delegado norte-americano à Conferência e disse-lhe acreditar que seriam cumpridas. E acrescentou que o “Brasil não poderia ser tratado como um pequeno país centro-americano, que se satisfizesse com o envio de tropas norte-americanas para seu território”.

 

     Finalmente se chegou a um acordo pelo qual, no lugar de determinar, a Conferência recomendou. Ao final dos trabalhos, Aranha, no discurso de encerramento, comunicou que o Brasil havia rompido relações diplomáticas com os três países do Eixo. Em seu Diário, Vargas registra depois da Conferência: “Das minhas conversas, do que observo fico apreensivo. Parece-me que os americanos querem nos arrastar à guerra, sem que isso seja de utilidade nem para nós, nem para eles”.

 

     Os Generais Gaspar Dutra e Góes Monteiro, respectivamente Ministro da Guerra e Chefe do Estado Maior do Exército, haviam manifestado ser contrários ao rompimento. Góes, não podendo participar da reunião do Ministério em que o assunto seria discutido e decidido, enviou carta ao Ministro da Guerra expondo suas razões que, resumidamente, eram: o rompimento de relações poderá levar ao estado de guerra; o Exército brasileiro não está preparado para uma guerra. Dutra, em carta dirigida a Vargas havia manifestado igual opinião contrária. A certa altura, referia-se à situação do Exército em matéria de equipamento: “É sobejamente conhecido o quanto nos empenhamos pela encomenda e, mais tarde, pelo recebimento do material de guerra que, em grande parte, ainda está depositado na Alemanha. Por outro lado, dois anos são decorridos de solicitações, entendimentos e promessas no sentido de obtermos dos Estados Unidos o material bélico mais indispensável, sem que até o presente nada de concreto fosse conseguido”.

 

     Dutra leu a carta de Góes, manifestou sua opinião contrária ao rompimento e ao final dos trabalhos das reunião ministerial, em solidariedade a Vargas, deu seu voto favorável ao rompimento.

 

     A Alemanha e a Itália não hesitaram em transformar em realidade a advertência de seus Embaixadores e iniciaram ações de guerra, afundando navios brasileiros − mercantes e de passageiros.

 

     A mudança no quadro político interno não se deu de repente. Em 1938, com o consentimento do Ministério da Educação, fundou-se a União Nacional dos Estudantes. No dizer de um de seus primeiros filiados, “era a única organização de massa existente no país, além dos sindicatos oficializados…” e, em seus congressos e conselhos, discutiam-se “os problemas da classe estudantil e alguns temas fundamentais da problemática brasileira, como a economia e a industrialização do país, além dos problemas da paz e da guerra”.

 

     Na revista Seiva, órgão de divulgação de posições do Partido Comunista Brasileiro na ilegalidade, dirigida por Jacob Gorender e João Falcão, “fazia-se a pregação pacifista e antifascista”. Em novembro de 1939, dois meses depois da invasão da Polônia, a revista publicou artigo em que se dizia que “os grupos armamentistas conseguiram, mais uma vez, levar o povo para outra carnificina”. E traçava as diretrizes para os estudantes: “2º – solidarização, à frente de todas as classes, com o governo nas suas decisões contra o fascismo internacional e também contra os imperialismos…”.

 

     Em 1940, no primeiro congresso da UNE, ao qual compareceu o Ministro da Educação, os “estudantes fizeram saber ao Presidente [da República] que estavam conscientes de nossa situação de país dependente e que era chegado o momento de dar o grande passo no sentido de sua libertação econômica, preservando sua neutralidade na guerra e promovendo a criação de uma ampla frente nacional”.

 

     A neutralidade era a posição oficial do Governo. Em outubro, Vargas dissera em discurso: “… não temos, para intervir na luta, sequer a justificativa dos interesses econômicos… A consciência popular brasileira ditou-nos, imperativamente, o caminho a seguir. Decretando a Lei da Neutralidade, procuramos, ao mesmo tempo, pela participação ativa na Conferência do Panamá, estreitar ainda mais os laços de solidariedade que nos ligam aos povos do continente americano. Neutralidade não quer dizer passividade. A verdadeira atitude neutra se traduz pela vigilância e isenção de ânimo em face de situações que não concorremos para criar e nas quais não desejamos intervir”. Era, pois, neutralidade… e solidariedade…

 

     Em Janeiro de 1942, a revista “Seiva” publicou editorial− segundo João Falcão escrito por ele em Buenos Aires com a assistência dos enviados da Internacional e transmitindo a linha oficial do PCB − no qual se afirmava: “Não nos iludamos: encontramo-nos diante da guerra não declarada. E esta guerra também é nossa. (…) Mas uma guerra pela honra e pela integridade de nosso território. Uma guerra contra a barbárie e pela Civilização, ele [o povo brasileiro] não rejeitará. (…) O nosso povo deve dar uma resposta imediata ao inimigo da Pátria, ao agressor, com a União Nacional pela Defesa da Pátria. (…) União para todos os brasileiros que queiram defender o Brasil, sem exclusões nem restrições”.

 

     Em muitas Faculdades, apesar da repressão, desde 1939 já era possível sentir oposição a Vargas. Lutava-se, como até o 29 de Outubro de 1945, não pela união nacional, mas pregando a oposição ao Estado Novo. Em 1943 é fundada a Sociedade Amigos da América que teve papel de relevo no apoio aos Estados Unidos, forma que se encontrou de fazer oposição a Vargas. No mesmo ano, reorganizou-se a Liga de Defesa Nacional.

 

     Em Março de 1942, os Estados Unidos finalmente transferiram ao Brasil armamento e munição no valor de 200 milhões de dólares. Em contrapartida, o Governo brasileiro autorizou a instalação de bases no território nacional e a entrada de efetivos militares no Nordeste.

 

     O torpedeamento dos navios brasileiros provocou grandes manifestações de rua, pedindo a guerra. Vasco Leitão da Cunha, que fora Ministro interino da Justiça e, nessa posição, dera voz de prisão a Filinto Müller numa discussão sobre se o Governo deveria ou não autorizar uma grande manifestação no Rio de Janeiro − Leitão da Cunha autorizando e Müller negando −, dirá, anos depois, que foram essas manifestações populares que levaram o Governo a declarar guerra à Alemanha e à Itália.

 

     Discutir a organização da FEB e os problemas que foram enfrentados pelo Governo aqui e na Itália quando lá chegaram os pracinhas, exigiria trilhar outra estrada. É tempo, pois, de encerrar essa longa caminhada. Para dizer que a declaração de guerra à Alemanha e à Itália, tendo sido, sem dúvida alguma, uma reação ao afundamento dos navios brasileiros, foi, ao contrário do que disse Seitenfus, também um ato de solidariedade aos países do Hemisfério − já afirmada com o rompimento das relações diplomáticas e comerciais com os países do Eixo apesar de o Governo conhecer, melhor que ninguém, as deficiências do Exército, que não foram supridas com o envio de material norte-americano.

 

     Permito-me concluir dizendo que, desse episódio de nossa História, hoje praticamente lembrado apenas em cerimônias como esta, fica a certeza do velho adágio romano − si vis pacem para bellum que corresponde a um problema político e, como tal, foi cuidado pelo Estado Novo.

 

     Muito obrigado!

 

 

 

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