UMA HISTÓRIA QUE ATÉ PODE SER MUITO BANAL

 

 

 

      Em 1793, quando se defrontou com um sistema que negava a Justiça e a Virtude, Robespierre construiu o Terror ─ que depois o consumiu na frieza de sua lâmina. Hoje, aqui e agora, ainda não se falou em Virtude, embora haja algumas manifestações que permitam uma analogia ─ porque a reforma política que alguns defendem poderá levar a um simulacro de Terror se não houver cuidado ao apontar-se quem seria Robespierre. E tais manifestações permitem ainda, juntando-se as diferentes partes do Sistema, idêntica conclusão – antevê-se o resultado final da grande manobra.

 

     O noticiário diário nos convida a fazer digressões. Sem limites. Afinal, que limites podemos estabelecer para quem deseja criticar o PT, um Partido que recebe donativos que podem ser qualificados como desvios de propinas na Petrobrás? Creio que mais importante, porém, do que “falar mal” do PT será colocar a questão de perspectiva mais ampla, que é a do Sistema Político brasileiro.

 

     O que está em jogo é o Sistema Político, que tem no espectro eleitoral uma de suas partes componentes. O que está em jogo é, no fundo, a Federação, a representação dos estados no Congresso, a existência do Senado, com quantos representantes, eleitos pelo voto direto ou pelas Assembléias. Afinal, é o Sistema Político o que permite que o PT se entregue não apenas às veleidades como aos abraços da criminalidade. Dos demais Partidos ainda não sabemos, mas, com certeza, sofrerão do mesmo mal.

 

     Quando falamos em “eleitoral” não pensamos apenas no voto distrital ou proporcional ─ escolha em si difícil, pensando-se na “virtude” dos Partidos e de seus quadros dirigentes. Há outras questões igualmente fundamentais. Os Partidos devem existir? Como devem se comportar? E, mais relevante: quantos devem ser?

 

     Devemos começar respondendo a uma questão simples: no Partido, qualquer que seja, qual cargo corresponderia à função de Chief Executive Officer (CEO), o Diretor Executivo, autoridade máxima na hierarquia operacional de uma empresa privada?  Ao Secretário-geral ou ao Presidente, dependendo da organização interna. Se o Partido for um daqueles que a Ciência Política chamou como “de quadros”, o salário é de somenos importância. Se, porém, for um Partido “de massa”, tudo muda de figura, porque será um Partido profissional, isto é, um Partido de militantes profissionais, que necessariamente necessitam de salário suficiente para viver e para fazer política. Quem for um dirigente deverá apresentar resultados: número de aderentes e de seções, número de votos e, conseqüência natural, de vereadores e deputados eleitos ─ vale dizer quantos mil votos conseguiu.

 

     O Secretário-geral é o CEO de uma organização que vive num determinado território que é delimitado não por ele, sim pela Justiça Eleitoral que não determina apenas esse território, mas também quantos vereadores e deputados estaduais e federais poderão ser eleitos. O TSE diz quantos podem ser eleitos; a direção nacional do Partido dirá ao Secretário-geral do Partido quantos quer ver eleitos na região. O Secretário que se vire…

 

     O analista político nunca se deu ao trabalho de montar uma chapa para concorrer a uma eleição. A lei diz que serão 70 deputados federais por São Paulo. O conhecimento prático da política eleitoral ensina que a chapa deverá ter mais: se forem uns 75, os “excedentes” trarão votos indispensáveis para eleger um ou mais de um deputado. Enquanto CEO, o Secretário-geral deve opinar (e fazer valer seu ponto de vista) sobre se o Partido deve ou não fazer um acordo com algum outro para a eleição legislativa. E deve avaliar se o Partido está forte o bastante no Município ou no Estado para que tire vantagens da aliança.

 

     Montar a chapa implica haver um diretório organizado com sede, conta de telefone, água e luz, IPTU e alguém com carteira assinada que tome conta dessa sede. Que haja dinheiro para cobrir tudo isso, mais ainda para pagar os militantes sem os quais o Partido não existe! Se no Partido de quadros sempre haverá alguns militantes que arquem com boa parte das despesas (exceto com o salário do CEO), num Partido profissional, de massa, o dinheiro deve vir de fora dos quadros: Stalin que o diga, pois roubava bancos na Sibéria.

 

     Quem deve contribuir, numa sociedade democrática, para que o Partido exista? No Partido “de quadros” haverá sempre elementos com renda suficiente para azeitar a máquina; serão líderes por esse único fato, simples, financeiro. No Partido “de massa”, esses quadros não existem porque são proibidos: o dinheiro privado será, por definição, sujo, mal cheiroso. O “bom” dinheiro é o público ou o que vem de negócios públicos, sempre limpos até que se demonstre o contrário. O Partido se organiza para disputar o poder público, o dinheiro “limpo”, vale dizer. A buscá-lo, ainda que se deva arranhar de leve a lei. O fim é legítimo: sustentar os militantes e o programa.

 

     Em pouco tempo, sendo legítimo o fim, o meio também o será. O militante, ao ser remunerado com seu salário por sua dedicação ao Partido, não porá em questão o meio de que se lançou mão para conseguir recursos para provê-lo. O Stalin da Sibéria e seu chefe Lenin nunca questionaram a origem do dinheiro que permitiu que tomassem o poder. É um exemplo que os “quadros” aplaudem. Por que não segui-lo?

 

     Esta história pode ser contada a partir do que se lê em documentos e em depoimentos hoje em mãos do Ministério Público e da Justiça. Poderá essa mesma história, como se infere do noticiário, aplicar-se a qualquer Partido ─ porque, afinal, com este Sistema político-eleitoral, todos estarão habilitados a contá-la ao chamado Poder Público. Quando se refere ao PT, ela apenas espanta porque este nasceu como um Partido que iria negar tudo o que os outros faziam…

 

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  (publicado no dia 16 de dezembro em “O Estado de S.Paulo”)

 

 

 

  

 

 

 

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