Durante o período em que daqui estive ausente – cuidando, como um bom mestre-de-obras, da reforma do espaço físico onde está instalada minha “Oficina de Livre Pensamento Estratégico” – muitas coisas aconteceram. Como diria o personagem Tomaz, o Cínico, nenhuma delas alentadora. Talvez por isso mesmo a chama que ilumina todos os que escrevem tenha diminuído e, com ela, tenha-se perdido um pouco da perspectiva com que encarar os fatos da maneira mais correta. Não me custa, porém, voltar ao computador para ver se a frieza da máquina será capaz de compensar a semi-escuridão geral.
Os cientistas políticos, pelo que li nos jornais deste domingo, concordam, entre eles todos, com que muito da crise que atravessamos se deve ao fato de não haver oposição capaz de apontar rumos ao País. O curioso é que insistem em que a oposição deveria estar solidamente calçada numa proposição ideológica que não apontam qual seja. O que constitui, a meu ver, um erro de análise, pois o que impede a existência de uma oposição não é uma questão ideológica (no sentido em que, parece, pretendem que essa oposição seja), mas sim decorre de fato muito mais simples, que apenas poderá ser percebido se percebido for que não há uma correta visão do processo político brasileiro, ou seja, das forças sociais que estão presentes e atuam no cenário político.
Vamos por partes.
Quais são as forças motrizes desse processo de mesmice política que não vem de hoje, nem surge no momento em que Lula assumiu a Presidência ou naquele em que Fernando Henrique Cardoso buscou inserir o Brasil no mundo dos que decidem adotando uma política externa que, segundo seu Chanceler acreditava, permitiria ao Brasil nadar tranqüilo no que ele mesmo chamava de ”mainstream”?
Uma boa análise de situação deveria sempre apontar quais as forças sociais que conduzem o processo político. Houve tempo, especialmente depois de 1945, em que as análises buscavam estabelecer a relação entre os fatos políticos e as classes sociais. Essa visão, que à primeira vista parecia ser muito ampla e abrangente, na realidade era muito estreita, pois eliminava totalmente o papel que o Estado vinha desempenhando ativamente, na medida em que era ele quem controlava os recursos escassos − para não dizer que intervinha em todo e qualquer projeto maior que este ou aquele grupo empresarial pudesse apresentar. Ademais, ao falar nas famosas frações de classe − burguesia industrial voltada para o mercado interno e setor rural preocupado com os mercados externos − esquecia-se por completo de que um e outro não controlavam o Capital, recurso também escasso e primordial, sem o qual não é possível a realização de qualquer projeto de desenvolvimento e de inserção na comunidade internacional entre os que decidem − como quis, também, o Presidente Collor. Em outras palavras, sempre pôde ser abstraída, por deformação do espírito investigativo, a presença atuante do Estado e do papel que o Banco do Brasil, primeiro, e o BNDES, depois, tiveram no desenvolvimento brasileiro, controlando o ritmo e a direção dos investimentos. Sobretudo, quem poderia ou não obter uma fatia de mercado.
Essa visão estreita permaneceu sendo adotada, com todos os problemas analíticos que provocava, sem contar que, a partir de anos recentes, além de as grandes empresas nacionais terem ido buscar sua garantia de sobrevivência em investimentos no Exterior, nem idéia temos de quanto de dinheiro privado está depositado em bancos estrangeiros ao invés de ser aplicado no desenvolvimento econômico e social interno.
Este fato − o controle dos recursos escassos pelo Estado, e sua pouca vontade de bem controlá-los, qualquer que fosse o Governo − fez das classes sociais como que “dependentes feudais” do Estado. É importante não esquecer de que a presença deste ou daquele partido no controle da máquina administrativa pouco interessa na análise do processo geral. Na verdade, aqueles que detêm o controle (ou julgam detê-lo) das máquinas eleitorais não se preocupam com a organização do Estado, pois sabem que é a ele que terão de recorrer, sempre, para manter esse controle.
Por isso introduzi a idéia de “dependência feudal”. O vassalo prestava obediência ao Senhor da gleba porque sabia que ele o socorreria em caso de necessidade. Não foi assim, com fidelidades maiores ou menores, que durante décadas, para não dizer séculos, manteve-se a estabilidade social e política, ou mantiveram-se as relações de poder no que se chama até hoje de Idade Média? Foi preciso que o controle dos recursos escassos passasse para as mãos dos que detinham o Capital (deixemos de lado os bancos e as pessoas físicas que emprestavam aos Reis) para que esse nexo se rompesse e a chamada Burguesia triunfasse.
Para que isso acontecesse, no entanto, houve necessidade de que, antes, fosse preenchida uma dada condição social e política: o Estado não poderia controlar a organização dos que produziam, fabricando ou comercializando, quando não emprestando. O nexo dessa dependência feudal rompeu-se porque a organização social tornou-se livre.
Ora, no Brasil, desde a Revolução de 1930, o Estado, além de controlar seus funcionários, controla a organização sindical de patrões e de trabalhadores − e também a desta categoria que se chama de “autônomos”. Com isso, impede que se alterem as relações de poder e faz que se consolide aquilo que, em outra ocasião, lá se vão anos, chamei de Sistema.
Hoje, portanto, os dirigentes dos partidos ou aqueles que controlam as maiorias, ocasionais que sejam, no Congresso, sabem que, seja quem for que esteja ocupando a cadeira de Presidente, o sistema eleitoral e político se constitui num “pacto de honra” entre todos, pelo qual os dirigentes partidários ou líderes no Congresso “respeitam” quem estiver no Governo, porque sabem que esse Governo, qualquer que seja ele, deles necessita para reeleger-se ou para eleger quem ele decida favorecer numa próxima eleição, ou mesmo para favorecer quem ele decida favorecer durante o intervalo entre as eleições.
– segue –
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